Folha de S. Paulo


'Levaremos meses para deter a epidemia de ebola', diz virologista

O virologista alemão Heinz Feldmann, 54, viaja com frequência à África para áreas endêmicas do vírus ebola. Após testemunhar várias epidemias surgirem e serem debeladas, ele crê que o atual surto da doença na região seja um dos mais desafiadores: só pode ser controlado em um tempo "na escala de meses".

Segundo o cientista, pesquisador dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA), esta cepa do ebola não é especialmente letal. O problema, diz, é que há casos em áreas muito fragmentadas, e é difícil achar os doentes rápido o suficiente para impedir novas contaminações.

Há três meses, Feldmann integrou trabalhos de contenção da epidemia no Mali, país que atua como "tampão" do surto, e ainda está livre do vírus. Ele falou com a Folha por telefone na última sexta (1º), de seu laboratório em Hamilton (EUA). Leia abaixo.

Folha - Esta epidemia pode extrapolar a África ocidental?
Heinz Feldmann - Acho que o risco é baixo, mas não pode ser totalmente excluído. Uma possível restrição a viagens ao local ainda está em debate e deve ser implementada, mas não há nada formal até agora. Quanto a pacientes e pessoas infectadas deixando a região, se um país tem um bom sistema de saúde pública, com boas condições de higiene em seus hospitais, o risco de um paciente desembarcar ali e causar o espalhamento do vírus é pequeno.

O importante é que a identificação seja feita o mais rápido possível e sejam tomadas as precauções caso surja um paciente infectado, como uso de luvas e aventais. O ebola é contagioso, mas só se transmite por contato muito próximo com o paciente ou com suas secreções ou excreções.

Num estudo, o sr. disse que, apesar de esta epidemia ser a pior já registrada, o vírus não é mais agressivo. Por que o número de casos é tão grande?
Quando analisamos os números, a taxa de letalidade parece ser menor que a de alguns surtos já causados pelo mesmo vírus. Existem ao menos cinco espécies diferentes do vírus. A que circula agora é o Zaire ebolavirus, a mais virulenta, que já teve taxa de letalidade de 90%. Os dados indicam que a atual está entre 60% e 70%.

O problema é que essa epidemia se espalha por pelo menos três países, cada um com diversas áreas atingidas. Nas anteriores, tínhamos de lidar com só uma ou duas localidades.

Os procedimentos usados são corretos, mas é preciso atender a tantos lugares que as equipes acabam fragmentadas e não conseguimos fazer rastreamento de contatos tão bem quanto se fez em outras epidemias. Alguns casos passam batido e acabam levando infecções a outras comunidades.

A OMS diz que a epidemia está se alastrando mais rápido que os esforços para controlá-la. Há esperança de que possa ser detida nos próximos dias ou nas próximas semanas?
Não sei qual é a situação exata em campo agora, mas não creio que seja controlável numa escala de dias nem de semanas. Estamos falando em uma escala de meses.
Precisamos de recursos. As principais agências envolvidas precisam de dinheiro, mão de obra, dispositivos de proteção etc.

Há duas coisas fundamentais a fazer para controlar a epidemia. A primeira é garantir que os trabalhadores de saúde estejam em segurança, e que os hospitais onde os pacientes estão internados fiquem em segurança.

A segunda, provavelmente mais difícil, é tirar o atraso no rastreamento de contatos. Não podemos deixar escapar casos de pessoas que entram em contato com os infectados e espalham o vírus.

Tratamentos experimentais já podem ser usados?
Há abordagens que mostraram eficácia em modelos animais, mas a maioria ainda não foi usada em humanos. Há vacinas e opções de tratamento como anticorpos ou antivirais, mas não temos estudos de segurança nem de eficácia para eles. Isso torna difícil usar esses tratamentos. Não é impossível, mas é um grande obstáculo.

Essas epidemias continuarão a surgir? Cientistas dizem que morcegos são o repositório natural do vírus, mas nenhum foi achado com a infecção até agora. A ciência ainda não sabe onde o ebola se esconde?
O consenso é que morcegos que comem frutas são o repositório. Já temos dados para provar isso: acharam morcegos com anticorpos para o ebola. Temos também evidência genômica [DNA do vírus presente em morcegos]. Aquilo que está faltando mesmo é o isolamento do vírus. Isso ainda é um elo perdido, mas a maioria dos pesquisadores trabalhando em campo acredita que o repositório esteja mesmo nos morcegos. A questão é: qual espécie? Os que comem frutas são um grupo tão grande que será difícil apontar qual delas constitui o repositório mais potente. Pode haver mais de uma.

A convivência com chimpanzés ainda é um problema? Na África ainda se come carne de macaco, e no passado ocorreram transmissões assim.
Grandes macacos podem ser infectados pelo ebola da mesma maneira que os humanos. Eles são vítimas, assim como os humanos; portanto, não são o repositório. Mas podem ser a fonte de infecções humanas. Na fronteira entre o Gabão e o Congo, já ocorreram diversos surtos que claramente podem ser associados à caça de grandes macacos e ao preparo da carne. Em outros lugares não há evidência tão clara disso.


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