Folha de S. Paulo


Túneis do Hamas para Israel formam 'segunda faixa de Gaza'

Existe, abaixo da faixa de Gaza e espalhando-se em direção ao território de Israel, uma segunda Gaza –subterrânea, invisível, ameaçadora. São dezenas de túneis que, desde o início da operação militar Margem Protetora, são a principal justificativa de Israel para a ofensiva militar.

O gabinete e o Exército do Estado judeu têm insistido que darão sequência a seus ataques –que já deixaram 1.670 mortos em Gaza– até que todos os túneis cavados pela facção palestina Hamas tenham sido desmoronados.

Veja vídeo

Assista ao vídeo em tablets e celulares

Mais de 30 deles foram descobertos em julho, e de ao menos sete deles foram lançados violentos ataques contra soldados israelenses.

A Folha visitou, acompanhada pelo Exército israelense, um trecho de túnel encontrado nos últimos meses na região de Ein Hashlosha. Com mais de 2,5 km de extensão e paredes de concreto, a passagem está inutilizada.

"O Hamas se esconde sob a terra", diz o capitão Daniel Elbo, da divisão de Gaza. Sua voz soa alta dentro do túnel, úmido e gelado, contrastando com o calor externo.

A 15 metros de profundidade, a passagem é acessada descendo um íngreme barranco de areia. Elbo mostra à reportagem os fios de eletricidade e telefone que correm ao longo do túnel. No chão, há um trilho que foi usado para transportar terra cavada pelo Hamas.

O capitão aponta também um saco de cimento com palavras em hebraico. Israel controla a entrada de material de construção em Gaza e, a cada túnel descoberto, insiste que a facção palestina investe não em escolas, mas sim em túneis subterrâneos.

Em outubro, o governo de Israel já levara dezenas de repórteres internacionais, incluindo o da Folha, para visitar um dos diversos túneis. Mas o deflagrar do conflito com o Hamas, em 8 de julho, intensificou as operações na fronteira. A partir da incursão terrestre, em 17 de julho, Israel dedicou-se a descobrir e destruir os túneis.

Em mais de uma ocasião, soldados israelenses entraram em combate com militantes do Hamas saídos dessas passagens subterrâneas, com baixas em ambos os lados. O Exército de Israel afirma ter frustrado planos de ataques terroristas de larga escala.

Mickey Edelstein, comandante da divisão de Gaza, afirma à Folha que o Exército faz pressão diplomática para que a liderança do Hamas abandone a construção dos túneis. "Eles não se importam. Ainda estão cavando", diz.

O comandante repete a diretriz do governo de que o Exército seguirá com a ação em Gaza até o Hamas ser incapaz de atacar pelos túneis.

As Forças de Defesa de Israel também pretendem, porém, inutilizar o arsenal de foguetes do Hamas e garantir que não haverá mais disparos contra seus civis. Foram, em um mês, quase 3.000 foguetes disparados pela facção.

A conversa com Edelstein ocorreu um dia após a divulgação na internet de vídeo que mostra militantes do Hamas invadindo uma base de Israel e matando soldados. A infiltração foi feita por túnel.

O chefe militar diz que a procura pelas passagens subterrâneas levou aos ataques israelenses contra a região de Shujaya, no leste de Gaza, onde a reportagem da Folha encontrou extensa devastação.

Diversas dessas passagens começam em construções civis. O túnel visitado pela reportagem tem, por exemplo, sua entrada numa casa em Khan Younis, no sul de Gaza.

Edelstein cita uma passagem escavada dentro de uma clínica da ONU, onde uma armadilha com explosivos matou três soldados israelenses. "Eles cavaram uma cidade subterrânea para matar e sequestrar israelenses", diz. "Nós costumamos dizer, no Exército, que Gaza já tem a sua própria rede de metrô."

Editoria de Arte/Folhapress

CARÊNCIA

Essa Gaza oculta foi, de acordo com Israel, escavada durante anos, com um investimento de mais de US$ 90 milhões (R$ 202 milhões) –cifra que contrasta com a calamidade humanitária no estreito de terra.

Os moradores de Gaza sofrem com a quase ausência de eletricidade. A água está poluída e salgada, e há carência de medicamento e equipamento em seus hospitais.

A situação é creditada, por organizações humanitárias e pela liderança palestina, ao bloqueio israelense iniciado em 2007, após o Hamas assumir o governo de Gaza. Israel controla toda a passagem de bens e pessoas, e não há espaço aéreo ou marítimo ali.

A crise foi temporariamente aliviada pelos túneis ilegais entre Gaza e o Egito, na região sul de Rafah. Por ali entraram, segundo relatos, de carros a leões vivos rumo ao zoo. A via de escape encerrou-se, porém, com o golpe militar que depôs o presidente islamita egípcio Mohammed Mursi, simpático ao Hamas. Os túneis foram destruídos.

O mesmo está em via de ocorrer na divisa com Israel. Edelstein diz que o rastreamento dos caminhos é feito por cães, dos quais dois já morreram, e a destruição, por explosivo líquido. Dois terços das passagens conhecidas já foram eliminadas, afirma.


Endereço da página:

Links no texto: