Folha de S. Paulo


Bloco lusófono incluirá ditadura africana

A Guiné Equatorial, na África, deve ser ratificada como a mais nova integrante da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) neste mês, com o apoio do Brasil e sob protestos das entidades de direitos humanos.

Isso embora seja uma ex-colônia espanhola, em que menos de 1% da população fala um idioma derivado do português medieval.

O país é governado desde 1979 pelo ditador Teodoro Obiang, que assumiu o poder por meio de golpe de Estado. Seu filho, Teodorin, que é membro do governo, é acusado pelos Judiciários dos EUA e da França de corrupção e lavagem de dinheiro.

O governo de Obiang é alvo de várias denúncias de violações de direitos humanos, tortura e censura.

Alan Marques - 14.fev.2008/Folhapress
O presidente Lula recebe o presidente da Guine Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, em 2008
O presidente Lula recebe o presidente da Guine Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, em 2008

Segundo a ONG Freedom House, o país ocupa a 190ª posição no ranking de liberdade de imprensa, entre 197.

A entrada da Guiné Equatorial na comunidade lusófona ajudaria Obiang a romper o isolamento de seu país.

Segundo a Folha apurou, na cúpula da CPLP, que ocorre no dia 23 de julho em Díli, Timor-Leste, os integrantes da organização devem afirmar que a Guiné Equatorial cumpriu as condições do estatuto da CPLP e deve ser admitida como membro pleno.

O país, que é membro observador da CPLP desde 2006, candidatou-se a membro pleno em 2010. Na época, o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, declarou que apoiava a adesão do país.
A Guiné Equatorial é o terceiro maior produtor de petróleo da África subsaariana, atrás de Nigéria e Angola. O Brasil importa petróleo e gás do país, e as construtoras Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão têm presença na nação africana.
Em 2010, foram feitas exigências para que a ex-colônia espanhola fosse aceita na comunidade: abolir a pena de morte no país e promover o uso da língua portuguesa.

Portugal foi o único país que mostrou resistência à adesão da Guiné. Em 2012, o então chanceler Paulo Portas afirmou ser contra a entrada do país na CPLP, porque a Guiné não tinha feito "progressos suficientes" nas questões de direitos humanos.

"A situação na Guiné Equatorial é extremamente preocupante. Presos políticos, perseguição a defensores de direitos humanos e cerceamento da liberdade de expressão fazem parte da dura realidade", diz Juana Kweitel, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos.

"Um dos princípios da CPLP é a primazia dos direitos humanos. Por isso países da CPLP, incluindo o Brasil, devem examinar cuidadosamente o quadro existente de violações antes de anunciar oficialmente a adesão do país à comunidade", acrescenta.

No início de 2014, Obiang baixou "moratória temporária" à aplicação da pena de morte. Mas, segundo a Anistia Internacional, em janeiro ao menos quatro condenados à morte foram executados no país, e não há garantias de que se manterá a moratória.

PORTUGUÊS 'OFICIAL'

O ditador anunciou também que o português passou a ser a terceira língua oficial do país, ao lado de espanhol (a principal) e francês.

"É melhor ter a Guiné Equatorial dentro da CPLP para que possamos apoiar o país na sua evolução em princípios democráticos. Não é deixando o país de fora que vamos ajudá-lo", disse à Folha Murade Murargy, secretário-executivo da CPLP.

Para ele, este é o momento de repensar a função da CPLP, que não deve mais se concentrar apenas na língua, "mas também em objetivos empresariais e econômicos".

Murargy admite que não há muitas pessoas que falam português na Guiné Equatorial, mas argumenta que o país tem uma relação muito forte com as nações africanas de língua portuguesa.

Contatado pela Folha, o Itamaraty disse apenas que, na reunião, "o Brasil seguirá o consenso que se formar".

Procurado, o embaixador da Guiné Equatorial no Brasil, Benigno-Pedro Tang, não respondeu ao pedido de entrevista feito pelo jornal.

Em fevereiro, em reunião de ministros em Maputo, o governo brasileiro foi favorável à adesão da Guiné.

Em carta aberta publicada no jornal português "Público", intitulada "A adesão da Guiné Equatorial representa a venda dos valores da CPLP", Chico Buarque, Gilberto Gil e Frei Betto, entre outros, afirmam que a entrada do país vai desacreditar a CPLP.


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