Folha de S. Paulo


'Santo', Khomeini domina o Irã, 25 anos depois de sua morte

Seu rosto grave estampa notas de dinheiro e domina murais no Irã. Praças, escolas e o principal aeroporto levam seu nome. Insultá-lo é crime passível de cadeia.

No 25º aniversário de sua morte, na última terça-feira (3), o aiatolá Ruhollah Khomeini continua onipresente na república islâmica que fundou em 1979.

A vida política e religiosa é ritmada até hoje pela evocação da sua memória. Ele é oficialmente chamado de imã (santo, na acepção xiita), e tanto conservadores como reformistas se dizem seus fiéis seguidores.

Editoria de Arte/FolhapressEdito
Onde fica Irã - Teerã
Onde fica Irã - Teerã

Para analistas e cidadãos ouvidos pela Folha, o legado mais pujante da era Khomeini é a consolidação do Estado islâmico que era seu projeto de vida.

Desde os anos 60, quando era um clérigo do interior, Khomeini militava para substituir a monarquia pelo "governo dos juristas islâmicos".

Perseguido pelo xá Mohammad Reza Pahlavi, o aiatolá firmou-se no exílio como maior líder de uma oposição que unia de religiosos a comunistas. Comandou a revolução à distância e voltou ao país para fazer triunfar seu modelo de teocracia.

A Constituição, adotada em referendo meses após a queda do xá, selou bases de um sistema inédito, que mescla instituições democráticas inspiradas no iluminismo e órgãos absolutistas de poder divino.

Autoproclamado "guia da revolução" (líder supremo), Khomeini enfrentou a invasão do Irã pelas tropas iraquianas de Saddam Hussein, que tinham apoio de um Ocidente apavorado com o novo regime.

A teocracia sobreviveu à longa guerra (1980-1988) e, em seguida, à própria morte de Khomeini –de câncer aos 86 anos, em 1989. Foi sucedido, após deliberação de juristas e clérigos, pelo aiatolá Ali Khamenei.

Desde então, o regime resistiu a megaprotestos em 1999 e 2009, esmagados pela força, e a sanções ocidentais implacáveis contra o programa nuclear e violações a direitos humanos. "Sob tanta pressão, é um milagre [a república islâmica] ainda estar no poder", diz o analista reformista Said Laylaz.

Khomeini descumpriu a promessa de garantir luz, água e combustível gratuitos a todos. Mas sua teocracia assistencialista obteve êxito no combate à miséria e ao analfabetismo.

De carona nas políticas iniciadas pela dinastia Pahlavi, a república islâmica fez disparar indicadores socioeconômicos.

O Irã é um dos países que registraram maior salto do IDH (que mede o padrão de vida médio) de 1980 e 2012: 67% no período, diz a ONU.

A disparada acentuou-se com a morte de Khomeini, que abriu caminho para um governo mais pragmático e próspero, graças aos petrodólares.

"O que mudou [desde 1989] é a consolidação da república islâmica, que foi deixando de ser um Estado revolucionário", diz a cientista política Farideh Farhi, da Universidade do Havaí.

No plano externo, o regime ampliou o leque de países com quem dialoga, incluindo vários europeus, mas manteve a resistência anti-EUA. Hoje, estende tentáculos geopolíticos da Síria ao Afeganistão.

Para Mohammad Marandi, analista da Universidade de Teerã próximo dos conservadores, graças às ideias de Khomeini, "o Irã é o país mais independente e influente desta parte do mundo".

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AUTORITARISMO

Embora menos ideológico hoje, o regime manteve viés autoritário. Críticos acusam Khamenei de dar poder demais à Guarda Revolucionária e ter transformado cidadãos comuns em inimigos. Khomeini perseguia principalmente partidários do xá e grupos dissidentes que praticavam terrorismo, como o marxista MKO.

"Khomeini sabia recuar se necessário. Khamenei é diferente. Em nome da estabilidade, ele se põe muitas vezes contra a população", diz o jornalista reformista Isa Saharkhiz.

Ele cita como exemplo o conturbado pleito de 2009, no qual Khamenei declarou guerra ao Movimento Verde, que tomou as ruas de Teerã contra supostas fraudes na reeleição de Mahmoud Ahmadinejad.

Para alguns iranianos, Khamenei é mais conservador. "Khomeini permitiu operações de troca de sexo. Hoje é impensável", diz o engenheiro Payman K. Mas Khomeini cassou várias liberdades individuais, femininas principalmente.

O analista Laylaz descarta comparações: "Pouquíssimos líderes podem fazer uma sociedade segui-los, e Khomeini era um deles. Nenhum substituto jamais faria tanta diferença".

CRONOLOGIA

1989
Aiatolá Ruhollah Khomeini morre; o aiatolá Ali Khamenei assume como líder supremo do Irã. Reforma constitucional extingue cargo de premiê

1997
Reformista Mohammad Khatami é eleito presidente e acena ao Ocidente

1999
Forças leais a Khamenei esmagam protestos estudantis por mais liberdades

2001
Após o 11 de Setembro, George W. Bush inclui o Irã no "eixo do mal", ao lado de Iraque e Coreia do Norte

2002
Dissidentes iranianos envolvidos em terrorismo denunciam existência de faceta secreta do programa nuclear iraniano

2003
Na "grande barganha", Irã propõe medidas, incluindo reconhecimento de Israel, em troca de normalização. Bush recusa

2005
Conservador Mahmoud Ahmadinejad chega à Presidência e lança retórica incendiária anti-Israel

2009
Com apoio de Khamenei, Ahmadinejad é reeleito em meio a suspeitas de fraude que geraram megaprotestos

2013
Hasan Rowhani é eleito presidente após prometer restaurar laços com o Ocidente

2014
Graças a diálogo EUA-Irã, entra em vigor histórico acordo nuclear preliminar, apoiado por Khamenei


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