Folha de S. Paulo


Tráfico volta a assombrar cidade colombiana de Medellín

"Eu só preciso de mais um dia, não tenho como carregar tudo hoje."

Lucía tem 59 anos e precisa cumprir a decisão de Oscar, chefe do quarteirão onde mora, na favela de Santo Domingo Savio, em Medellín.

Seu sobrinho, Miguel, havia ultrapassado uma "fronteira invisível", como são conhecidas as linhas traçadas pelos bandos de narcotráfico que atuam hoje na área. Agora, toda a família precisa ir embora da comunidade.

Oscar a escuta com paciência, mas diz que eles precisam sair agora. "Na época de Pablo Escobar não era assim, os traficantes ajudavam a comunidade, agora nos aterrorizam com extorsões e expulsões" disse Lucía à Folha.

"Eu sei que é duro expulsar uma família que talvez não tenha para onde ir, mas minha função é cuidar dessa fronteira, esse menino tem conexões fora daqui, estava trazendo confusão", explica Oscar (nenhum dos dois quis dar o sobrenome).

Luis Eduardo Noriega/Efe
Soldado patrulha as ruas da Comuna 13,um dos bairros violentos de Medellín
Soldado patrulha as ruas da Comuna 13,um dos bairros violentos de Medellín

"A atividade se adapta. O governo foi para cima dos cartéis, então passamos a atuar em "combos" [pequenos grupos]. O Estado se infiltra e os desmonta quando pode, mas sempre encontramos uma maneira de armar uma nova estrutura a partir da brecha que deixam."

Oscar lidera uma dessas agrupações, formadas após a diluição dos grandes cartéis colombianos nos anos 90, o de Medellín e o de Cali. Enquanto a reportagem da Folha conversava com ele, um policial observava do outro lado da rua. "Está tudo certo. Ele sabe quem eu sou, mas não se mete enquanto não ultrapassarmos nossa fronteira", explica Oscar.

A favela de Santo Domingo Favio é a principal de Medellín, segunda maior cidade da Colômbia, e foi uma das bases de operações do cartel comandado pelo traficante Pablo Escobar.

No começo dos anos 90, tinha a maior taxa de homicídios da América Latina.

MODELO URBANO

Quando o traficante foi morto, em 1993, começou uma operação de resgate do local. Projetos de transporte e construção de bibliotecas revigoraram esses bairros e transformaram Medellín num "case" urbanístico.

O "metrocable", sistema de teleféricos que unem a favela ao centro, foi imitado em várias partes do mundo, inclusive no Rio, no Complexo do Alemão.

Apesar de a taxa de homicídios ter caído de forma drástica, Medellín dá sinais de que não consegue se livrar do crime organizado.

Enquanto isso, as obras consideradas transformadoras carecem de cuidados e estão ruindo.

É o caso da suntuosa Biblioteca España, inaugurada em 2007, com suas torres encravadas na montanha. Hoje, a construção está soltando tijolos que caem sobre as casas dos moradores. Teve de ser coberta com telas.

"Medellín ainda está nas mãos do crime. Houve avanços, mas a solução criou novos problemas. Hoje os paramilitares que vieram para destruir os cartéis tomaram o lugar dos narcotraficantes e controlam eles a distribuição. Há acordos para que não existam mais mortos, e com isso a cidade tem boa propaganda fora. Mas a violência e as extorsões continuam", explica Dario Acevedo, professor da universidade local e colunista do "El Espectador".

A queda do cartel de Medellín deu força a uma dissidência das AUC (Autodefensas Unidas de Colombia), agrupação paramilitar que atuava na região.

Essa dissidência, os Urabeños, já compõe a segunda facção criminosa da Colômbia, atrás das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que negociam acordo de paz com o governo.

"Não sou a favor da negociação de paz, ela significa que serão feitos mais acordos com os criminosos. Os narcotraficantes não podem ser tratados com as leis, a Justiça, as instituições, aqui a única coisa que funciona é a força", diz Dora, 43, habitante da Comuna 13, outro dos bairros violentos de Medellín.

LINHA-DURA

Nos bairros pobres de Medellín, o candidato mais popular é o linha-dura Óscar Ivan Zuluaga, apadrinhado pelo ex-presidente Álvaro Uribe. Ambos propõem suspender as negociações com as Farc. Iniciadas há 18 meses, incluem um projeto de anistia para ex-guerrilheiros.

Com esse discurso, Zuluaga ameaça a reeleição do presidente Juan Manuel Santos no segundo turno do pleito presidencial, marcado para o próximo dia 15.

Segundo as pesquisas de intenção de voto, ambos estão em empate técnico.


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