Folha de S. Paulo


Análise: Nova fase do confronto sírio mostra que solução é política

A guerra civil da Síria é, em seus três anos, o mais mortífero conflito do século 21. Com mais de 160 mil mortos e três milhões de refugiados, o embate entre forças governamentais e rebeldes já provoca instabilidade nos vizinhos, como Líbano e Turquia.

A guerra caracterizou-se, em um primeiro momento, pela inconstância na ocupação do território: cidades eram tomadas e retomadas em poucos dias. Essa primeira fase teve fim simbólico nas últimas semanas, com dois fatos distintos. O primeiro foi a retomada, por parte de tropas leais ao governo, da cidade de Homs, controlada por rebeldes há meses.

O segundo fato divisor de águas é representado pelo anúncio de eleições presidenciais –que tem Bashar al-Assad como favorito. O fato de o governo se sentir forte o suficiente para anunciar uma eleição, mesmo que fictícia, é resultado de modificações importantes no cenário internacional, que tornaram a presença de Assad no poder praticamente obrigatória em um cenário pós-guerra.

Apesar das acusações de crimes de guerra contra ele, a saída do ditador já não é mais um pré-requisito para a negociação. Assad é visto como o único elemento de estabilidade em um conflito interno que conta com mais de 20 grupos rebeldes. A presença de organizações ligadas à Al Qaeda, como a Al Nusra, demonstra que a queda do regime pode significar a criação de mais problemas para os EUA e seus aliados.

Esses novos fatores só ressaltam que a solução para o conflito na Síria é política e não o fortalecimento militar dos distintos atores, estratégia usada até agora. Assim, o atual momento é uma janela de oportunidade para a atuação brasileira.

O país possui canais diplomáticos estabelecidos com todos os países envolvidos no conflito e poderia atuar, principalmente, como mediador. A ação de Brasília poderia se concentrar no Irã, que financia e mantêm o governo de Assad. Teerã ainda encontra problemas internos em justificar negociações com o Ocidente e a presença brasileira facilitaria tais movimentações.

Mais importante, o Brasil é bem visto por grande parte da população da região e deve usar esse capital simbólico. Em visita ao sul da Síria e ao Líbano, no início do ano, fui indagado –seja por políticos ou verdureiros– da razão da ausência brasileira. A atuação do país não precisa ser justificada apenas por questões morais: o debate sobre a Síria irá reverberar no sistema internacional por anos –e o Brasil definitivamente precisa participar.

FERNANDO BRANCOLI é professor de Relações Internacionais da PUC-Rio e da FGV


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