Folha de S. Paulo


Brasil pressionou senador boliviano a abrir mão de asilo

O governo brasileiro pressionou o senador boliviano Roger Pinto a abrir mão unilateralmente do asilo concedido pelo Brasil, diante de insistentes exigências do presidente da Bolívia, Evo Morales. É isso que revelam telegramas diplomáticos e depoimentos secretos da sindicância sobre as ações do diplomata Eduardo Saboia, a que a Folha teve acesso.

Em agosto do ano passado, Saboia, então encarregado de negócios em La Paz, retirou o senador boliviano Roger Pinto, asilado na embaixada brasileira em La Paz por 453 dias, e o levou em um carro oficial até Corumbá, em Mato Grosso do Sul, desencadeando crise diplomática.

O episódio motivou a demissão do então chanceler Antonio Patriota.

Em depoimento à comissão de sindicância em 7 de outubro de 2013, Patriota admitiu a proposta para que Roger Pinto abrisse mão do asilo.

"Dentro das hipóteses examinadas pelo grupo de trabalho", era uma opção, disse Patriota à comissão da sindicância. O Brasil nunca havia pressionado um asilado a abrir mão do benefício.

Alegando ser perseguido politicamente, Roger Pinto pediu asilo na embaixada em La Paz em 28 de maio de 2012.

O asilo foi concedido pelo governo brasileiro. Mas a Bolívia se negava terminantemente a dar salvo-conduto para que o senador fosse transportado para o Brasil. E a situação estava azedando a relação entre os dois países.

Em maio de 2013, um ano após a entrada de Roger Pinto na embaixada, o Itamaraty enviou o secretário Elói Ritter a La Paz com uma carta lacrada para o então embaixador na Bolívia, Marcel Biato.

Na carta, o Itamaraty instruía o embaixador a fazer a seguinte proposta a Roger Pinto: "Você concorda em abrir mão de seu asilo enviando uma carta à presidente Dilma Rousseff? Está disposto a embarcar em um avião com destino a um terceiro país não especificado?"

O senador rejeitou o plano. Segundo a defesa de Saboia na sindicância, ele teria afirmado: "Preferia cortar os pulsos a assinar esse papel".

No depoimento, Patriota foi indagado se essa proposta havia sido analisada pela consultoria jurídica do ministério, para determinar se era legal pedir a alguém que renunciasse à proteção que lhe conferiu o Estado brasileiro. Ele afirmou que não. E disse que a proposta era "meramente exploratória".

Segundo Patriota, o Uruguai era uma das opções de terceiro país. Mas também se tratou do assunto "de maneira geral" com a Venezuela.

Essa solução heterodoxa proposta por Patriota veio a reboque de uma "bronca" da presidente Dilma Rousseff.

Em 22 de fevereiro de 2013, Dilma se reuniu com Evo à margem da Cúpula América do Sul-África, em Malabo, capital da Guiné Equatorial. Segundo a Folha apurou, Evo disse de forma peremptória a Dilma que esperava que o Brasil resolvesse a situação do senador e endurecesse as condições da estada dele na embaixada, afirmando que ele estaria recebendo visitas e "fazendo política" lá.

A Presidência teria instruído Patriota a encontrar uma forma de tirar o senador da embaixada, mas não levá-lo ao Brasil. Pouco depois, Patriota ordenou que as visitas a Roger Pinto se restringissem a familiares e advogado. E, depois, partiu para a proposta da renúncia ao asilo.

Em seu depoimento, Patriota afirma que a decisão inicial de conceder asilo a Roger Pinto foi de Dilma, aconselhada pelo Itamaraty. Mas a presença do senador na embaixada gerava atritos crescentes com Evo. E o governo queria resolver o problema, sem o ônus político de voltar atrás na concessão de asilo.

O Itamaraty afirmou que não vai se pronunciar enquanto "a sindicância não se finalizar e o resultado não for dado a público". Procurado, o ex-ministro Patriota, hoje representante do Brasil na ONU, não ligou de volta.

Na posse de seu substituto, Luiz Alberto Figueiredo, em 28 de agosto, ele afirmou que o governo brasileiro buscou sempre "uma solução negociada e juridicamente sólida que garantisse o trânsito seguro do senador para o território brasileiro".

"Pedir que alguém abra mão de asilo que o Brasil concedeu joga por terra todo o prestígio do Itamaraty", diz o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado."Uma coisa é ser solidário ao povo da Bolívia, outra é se submeter à indústria de chantagens do presidente Evo Morales."

A sindicância sobre Saboia se arrasta há nove meses. Ele pode sofrer punições que variam de exoneração a suspensão, ou ter o caso arquivado. Saboia está de licença.

Biato teve sua indicação para a Embaixada da Suécia retirada pela presidente e está sem função específica. O senador Roger Pinto aguarda decisão sobre seu pedido de refúgio no Brasil.


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