Folha de S. Paulo


Em visita à Terra Santa, papa dará apoio simbólico a Estado palestino

Binyamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, fará bem em se preparar para o que vem por aí: o papa Francisco chegará ao Oriente Médio no sábado (24). As palavras do pontífice, evidentemente, dirão respeito à necessidade de melhorar as relações entre cristãos, judeus e muçulmanos. Mas a semiótica da visita transmitirá uma mensagem bastante diferente.

Quando os dois papas anteriores fizeram peregrinações à região, eles foram primeiro à Jordânia, depois a Israel e apenas depois disso aos territórios ocupados. Francisco modificou a ordem. Ele chegará à Jordânia no sábado, mas fez questão de ir aos territórios ocupados na sequência, antes de visitar Israel. Conhecido pela força de seus gestos e seu simbolismo, Francisco está transmitindo uma mensagem.

Podemos entender a mensagem com mais clareza se olharmos o itinerário oficial divulgado pelo Vaticano. A primeira coisa que o papa fará quando ingressar na Cisjordânia ocupada por Israel é visitar "o presidente do Estado da Palestina". A escolha dos termos é significativa: Francisco está anunciando que visitará uma entidade que Israel, assim como os Estados Unidos, insiste que não existe.

O papa Francisco chega num momento em que as negociações de paz caíram por terra e a liderança palestina vem dando passos unilaterais na arena internacional. O fato mais significativo foi a assinatura de um pacto entre o Fatah e o Hamas, um mês atrás, para reparar as divisões entre as facções rivais. Fala-se na possibilidade de um governo palestino de união ser formado em questão de semanas. Muitos no Vaticano enxergam a reconciliação entre Fatah e Hamas como tendo sido cronometrada cuidadosamente para se concretizar justamente quando o papa visita a região.

Pontífices anteriores pisaram na Terra Santa como quem pisa em ovos. Mas Francisco parece estar determinado a reforçar a concordância do Vaticano com a declaração da ONU, em 2012, de que a Palestina é Estado membro. Ele se hospedará na residência do núncio papal em Jerusalém oriental, anexada; e, embora vá a Israel para prestar seus respeitos diante do memorial do Holocausto, o Yad Vashem, e visitar o presidente e os dois rabinos chefes de Israel, Francisco se reunirá com Netanyahu no complexo Notre Dame, pertencente ao Vaticano, que se situa na "linha de costura" entre os lados oriental e ocidental de Jerusalém.

Na visita que o papa Bento fez à Terra Santa em 2009, o mais perto que chegou de tratar de política foi descrever a barreira de segurança israelense de oito metros de altura, que se estende pela Cisjordânia como uma cicatriz de concreto, como "uma das coisas mais tristes" vistas em sua visita. Mas Francisco, conhecido por suas declarações feitas de improviso e suas frases expressivas, pode muito bem dizer algo explosivo no almoço que dividirá com crianças palestinas dos campos de refugiados de Aida e Dheisheh, depois de celebrar a missa na Igreja da Natividade, em Belém.

O Vaticano está insistindo publicamente que a finalidade principal da visita é reparar as diferenças entre as igrejas católica e ortodoxa. O tema oficial, "para que possam ser uma", foi escolhido para coincidir com o 50º aniversário do encontro entre um papa anterior e o patriarca ortodoxo, encontro no qual foram revogados os decretos mútuos de excomunhão que tinham separado as igrejas em 1054, levando a um Grande Cisma que durou mil anos.

O papa Francisco tem outras preocupações. O cristianismo vive um declínio acelerado no Oriente Médio. Um século atrás, os cristãos formavam 20% da população da região; hoje, são apenas 4%. As coisas se agravaram muito nos últimos dez anos, com a invasão do Iraque, a primavera árabe e a guerra civil na Síria.

Ataques a cristãos vêm acontecendo também em Israel, com o lançamento de coquetéis Molotov e assassinatos cometidos por extremistas muçulmanos e judeus que picham frases como "morte aos árabes e cristãos" ou "Jesus é lixo" em santuários cristãos. A população cristã de Belém caiu de 60% em 1990 para 15% hoje. Líderes católicos temem que, se a tendência se mantiver, a Terra Santa se converterá numa Disneylândia espiritual, repleta de atrações turísticas para peregrinos, mas destituída de fiéis locais.

Mas é a posição adotada por Francisco em relação à questão israelo-palestina que pode ter as maiores ramificações políticas. Há décadas o Vaticano se posiciona a favor da solução de dois Estados, com garantias de segurança para Israel, soberania para os palestinos e um status especial para Jerusalém e os lugares santos.

Em Israel, há frustração crescente entre alguns israelenses e até alguns palestinos em relação à possibilidade de algum dia se chegar a um acordo sobre dois Estados separados. Mas os palestinos precisam ter um Estado próprio real -um Estado único seria uma mera paródia de democracia, ao estilo do apartheid, com duas classes de cidadãos.

O papa Francisco entende isso. Para enfatizar a inevitabilidade dos dois Estados, ele deitará uma coroa de flores no túmulo de Theodor Herzl, o húngaro fundador do sionismo político moderno. Quando Herzl pediu ajuda a um papa anterior para a criação de um Estado judaico, ouviu que "os judeus não reconheceram Nosso Senhor, logo, não podemos reconhecer o povo judeu". A coroa vai assinalar o enterro desse antissemitismo institucional.

Em tudo isso, o papa estará pregando uma mensagem poderosa sobre a "coexistência sem medo". Francisco está rompendo com precedentes pelo fato de incluir um judeu e um muçulmano na delegação oficial do Vaticano: um rabino e um imã que trabalharam com ele no diálogo interreligioso na Argentina vão encarnar o chamado por "coexistência". E, para destacar sua posição "sem medo", o papa rejeitou o carro blindado oferecido a pontífices e chefes de Estado anteriores.

Se isso vai envergonhar os intransigentes, levando-os a fazer concessões que possam pelo menos permitir a retomada das negociações de paz, é outra questão. Mas, se isso não acontecer, não será por falta de clareza por parte do visitante de Roma.

tradução de CLARA ALLAIN


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