Folha de S. Paulo


Boko Haram não é Taleban, diz analista

Ao contrário do que sua retórica sugere, o Boko Haram utiliza modernas tecnologias ocidentais para defender sua ideologia de um Estado islâmico na Nigéria.

Responsável pelo sequestro de mais de 200 garotas no mês passado, o grupo, cujo nome significa algo como "educação ocidental é proibida ", é diferente do Taleban afegão, segundo o professor nigeriano Ahmad Murtala, estudioso da organização.

"Eles não têm a mesma ideia do Taleban, contra qualquer tipo de educação escolar para mulheres", afirma Murtala, que ensina teologia e filosofia no Departamento de Estudos Islâmicos da Universidade de Bayero, em Kano, cidade que é um dos principais focos de atuação do grupo terrorista.

Em 2013, ele concluiu a pesquisa "Boko Haram na Nigéria: seus começos, princípios e atividades".

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Folha - Como o senhor analisa o sequestro das garotas?
Ahmad Murtala - O grupo fez isso como expressão para mostrar que ainda existe. Quer chamar a atenção da comunidade internacional porque se sente ignorado pelo governo nigeriano.

É possível alguma negociação com o grupo?
Sempre fui otimista. É possível negociar termos e condições, apesar de o ministro do Interior, Abba Moro, dizer o contrário. Seria um grande erro colocar vidas inocentes em perigo. Debater com o grupo e olhar suas demandas é importante.

Seu estudo aponta o Boko Haram como responsável por pelo menos 20 ataques recentes. Como negociar?
Embora eles digam que vão traficar as garotas, não creio nisso. Eles vão casar com seus membros as que se converterem e escravizar as demais. Os ataques vão continuar até que o governo da Nigéria os escute.

O Boko Haram quer proibir educação feminina ocidental ou qualquer outra?
Eles são contra certas perspectivas ocidentais, mas usam modernas tecnologias, como armas, carros e outras máquinas. Para eles, a educação feminina deve ser livre para aprender o conhecimento da adoração a Deus. Não têm a mesma ideia do Taleban, contra qualquer tipo de educação escolar para mulheres. O Boko Haram teve sua própria escola em Maiduguri [noroeste da Nigéria], cheia de mulheres nas aulas.

Qual sua opinião sobre a reação dos países ocidentais ao sequestro das garotas?
A reação do mundo inteiro, não só de EUA, Reino Unido, França e China, faz sentido, embora seja o que o Boko Haram queira. O governo da Nigéria está seriamente inábil em resolver o problema. Por isso, o presidente pediu ajuda aos EUA e outros países. Uma ação apropriada deve ser tomada para localizar e libertar as jovens, e isso envolve modernas tecnologias, as quais a Nigéria não possui.

Poderia explicar o nome Boko Haram e o princípio do grupo?
Boko Haram é a combinação de palavras em árabe e hausa. Boko significa educação ocidental e haram, proibição. Literalmente, a combinação fica 'sistema ocidental de educação é proibido'. Mas é importante entender que não são totalmente contra a contribuição do Ocidente para o desenvolvimento do mundo, mas querem transformar a Nigéria num Estado islâmico. Eles são contra, por exemplo, o sistema de educação que promove a teoria de Darwin, a democracia e outros assuntos relacionados.

E qual é a relação do Boko Haram com a Al Qaeda?
A Al Qaeda era inspiração e hoje tem o Boko Haram como aliado. Isso ocorreu um pouco antes da morte do líder Muhammad Yusuf, em 2009. O grupo enviou pessoas para aprender técnicas de guerra no Chade e na Argélia. A morte do líder e um possível fim do grupo ajudaram a estabelecer a ligação. Em agosto de 2009, anunciaram a aliança formal e, no ano seguinte, seus líderes anunciaram a luta pela expansão do conceito do Estado islâmico que incluía o norte da Nigéria.

Essa foi, então, a principal mudança após a morte de Muhammad Yusuf?
Muhammad Yusuf tinha mais conhecimento do que o atual líder, Abubakar Shekau. Ele não queria uma guerra contra o governo da Nigéria, mas era pressionado por outros membros, como Shekau, que começaram a acumular armas nos anos 2000. Após a morte do líder, o grupo tornou-se mais violento, sem a Shura (espécie de consulta no sistema político islâmico). E Shekau virou uma espécie de mentor.


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