Folha de S. Paulo


Virtual premiê indiano é Obama para alguns, Hitler para outros

Para seus defensores, ele é uma mistura de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, com carisma de Barack Obama e capacidade para salvar a Índia da pasmaceira econômica. Para os detratores, ele é nada menos que a reencarnação de Adolf Hitler e vai acirrar as tensões entre hindus e muçulmanos no país.

Controvérsias à parte, Narendra Modi, 63, virtual novo primeiro-ministro da Índia, conquistou grande parte do eleitorado indiano com seu perfil "gente que faz".

Modi construiu sua reputação de administrador eficiente como ministro-chefe de Gujarat, Estado que manteve crescimento em ritmo chinês enquanto a Índia patinava.

Com políticas de desburocratização e incentivos fiscais, atraiu macicos investimentos estrangeiros para o Estado. E alardeou seus feitos com uma poderosa operação de relações-públicas.

Amit Dave/Reuters
Membro do Partido do Povo Indiano (BJP), Narendra Modi exibe dedo manchado de tinta após votar, em 30 de abril
Membro do Partido do Povo Indiano (BJP), Narendra Modi exibe dedo manchado de tinta após votar, em 30 de abril

"Se Modi vencer, sua missão será consertar a economia", disse à Folha o comentarista político Ashok Malik. "Gujarat mostrou crescimento consistentemente maior do que o resto da Índia; Modi conseguiu criar empregos em indústria, coisa que a maioria dos estados indianos não consegue, e seu governo é muito menos corrupto do que a maioria."

Nas palavras de Anil Ambani, dono do conglomerado Reliance Group, Modi é "um líder entre os líderes, um rei entre os reis".

Investidores levaram a bolsa de valores indiana a bater recordes de alta nesta semana, antecipando uma vitória do partido de Modi nas urnas.

A coalizão do Baratiya Janata Party (Partido do Povo Indiano) deve ganhar 281 assentos dos 543 da Lok Sabha, espécie de câmara de deputados da Índia. Isso significa que eles podem formar o governo mesmo sem apoio de nenhum aliado –o partido que obtém a maioria de 272, sozinho ou por meio de coalizões, escolhe o primeiro-ministro.

O partido do Congresso, há dez anos no poder com o primeiro-ministro Manmohan Singh, deve ter o pior resultado de sua história. A população indiana está frustrada com o baixo crescimento e a inflação em alta. Nos últimos anos, o crescimento do PIB país desacelerou –3,2% em 2012 e 3,8% no ano passado. A Índia precisa crescer pelo menos 8% para absorver o 1 milhão de trabalhadores que entram no mercado de trabalho todo mês

ASCENSÃO E POLÊMICAS

Embora seja o favorito dos empresários, as origens humildes de Modi atraem também as camadas mais pobres da população. Seu pai era vendedor de chá em uma estação de trem e sua casta faz parte das chamadas "other backward classes".

Aos 8 anos, Modi se juntou ao grupo fundamentalista Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), cujo principal objetivo é transformar a Índia em um Estado hindu. E apesar de vir de uma casta inferior, Modi galgou os degraus da hierarquia do grupo. Em 2001, o BJP o indicou para liderar o estado de Gujarat, e depois ele venceu três eleições no Estado.

Vem do RSS um dos capítulos controversos de sua vida. Aos 18 anos, Modi se casou com Jashodaben, em um casamento arranjado, como a maioria das uniões indianas. Mas depois de 3 anos, ele abandonou a esposa, para se dedicar inteiramente ao RSS. O grupo estimula os membros mais dedicados a serem celibatários.

Modi nunca mais viu a mulher e sequer reconheceu a existência dela até pouco tempo atrás.

Mas o episódio mais polêmico da trajetória de Modi é o massacre de Gujarat. Modi era ministro-chefe do Estado durante o massacre de 2002, que levou à morte de mais de 1000 pessoas, na maioria muçulmanos. No dia 27 de fevereiro de 2002, um trem cheio de peregrinos hindus foi incendiado e 58 pessoas morreram. Muçulmanos foram responsabilizados. Cerca de 150 mil muçulmanos fugiram. Mulheres grávidas tiveram fetos arrancados de suas barrigas e meninas sofreram estupro coletivo, para depois serem queimadas vivas.

Modi foi acusado de ter incitado hindus à violência, enquanto a polícia assistia impassível ao assassinato de muçulmanos. No ano passado, uma equipe de investigação inocentou Modi, mas muitos a questionaram. O governo americano revogou o visto de Modi.

"Ele tem sido julgado de forma injusta. Mas acho que, se ele vencer, precisará ter uma conversa com os muçulmanos, eles não confiam nele", diz Malik. A Índia tem 138 milhões de muçulmanos, segunda maior população muçulmana do mundo.

Outra crítica se refere à personalidade de Modi, considerado muito centralizador e pouco conciliador. "Modi não cede a pressões, uma vez que ele decide alguma coisa, está ´feito", disse à Folha Swapan Das Gupta, analista político e assessor da campanha de Modi. "Para alguns, isso é ser autoritário. Eu acho que isso é ser decidido."

Modi levanta multidões falando não apenas de crescimento, mas também de temas caros aos hindus: ele promete limpar o Ganges, rio sagrado para o hinduísmo que hoje é um depósito de coliformes fecais.

"Ele é durão. Ele vai nos defender. O problema é que os muçulmanos sempre protegem os terroristas que vêm nos atacar. Daqui 10 anos, vamos ter que formar outro Paquistão", diz o motorista Surendra Singh, que votou no BJP.


Endereço da página:

Links no texto: