Folha de S. Paulo


Países europeus devem divergir sobre 'direito ao esquecimento' na internet

A decisão pela mais alta corte europeia, terça-feira, de que o Google pode ser forçado a remover links que resultam de certas buscas será executada pelas agências regulatórias da privacidade de dados em 28 países da União Europeia.

Mas o tribunal deu às agências pouca orientação para a aplicação da decisão, e é provável que a interpretem de maneiras diferentes. Isso significa que as pessoas em diferentes países europeus podem receber tratamento diferente, o que poderia fazer com que algumas jurisdições sejam mais procuradas do que outras. "A Corte Europeia de Justiça está enviando uma mensagem forte, nesse caso", disse Peter Hustinix, o supervisor de proteção de dados da União Europeia. "Agora cabe aos países oferecer coerência na forma pela qual é interpretada".

Em uma conferência em Berlim na terça-feira, autoridades regulatórias de três países da União - Holanda, Irlanda e Reino Unido -, bem como funcionários da União Europeia, ofereceram interpretações diferentes sobre como a decisão pode ser aplicada.

Os holandeses, por exemplo, sugeriram que observariam cuidadosamente a linguagem do tribunal na interpretação da decisão, enquanto outros dos envolvidos disseram que trabalhariam mais em base de caso a caso.

A maneira pela qual as agências regulatórias interpretarão a decisão é apenas uma das muitas questões que deixaram muitos advogados e especialistas em tecnologia europeus perplexos com a decisão.

Outra questão é determinar se pessoas não europeias poderão solicitar às agências regulatórias da União que links para seus históricos sejam removidos. Outra ainda é que obrigação o Google e outros serviços de busca teriam de honrar as solicitações de remoção de links.

Na decisão, o painel de 13 juízes da Corte Europeia de Justiça do Luxemburgo não só não ofereceu orientação sobre como sua decisão seria executada como não deu indicação de que reconhecia a caixa de Pandora que sua decisão pode abrir. A decisão se concentrou estreitamente na interpretação da lei que dispõe que o Google, como "controlador" de informação, está sujeito, sob as leis de privacidade europeias, a atender as solicitações dos cidadãos privados para a remoção de links, quando solicitado, na ausência de interesse público dominante em que esses links sejam mantidos.

"Os juízes não estão bem informados sobre o mundo digital", diz Patrick van Eecke, advogado especializado em proteção de dados no escritório de advocacia DLA Piper, de Bruxelas, que já defendeu casos diante da corte europeia e ecoou as opiniões de outros advogados que defenderam casos de tecnologia nesse foro. "Será muito difícil colocar essa decisão judicial em prática".

Um porta-voz do Google, que detém 85% do mercado de buscas digitais na Europa, se recusou a comentar ou a especular sobre como as operações europeias da empresa podem ser afetadas.

Mas especialistas judiciais e analistas disseram que o Google e outras empresas provavelmente terão de criar novos procedimentos, envolvendo criar novos escritórios administrativos para processar as petições individuais de remoção de links.

"Isso pode ser muito prejudicial para os serviços de busca, no futuro", disse Luca Schiavoni, analista de tecnologia da Ovum, uma companhia de pesquisa de Londres.

O Google e outras companhias digitais que talvez sejam afetados pela decisão podem tentar restringir os esforços para apagar conteúdo online apenas à Europa, dizem especialistas judiciais, mas seria mais prático - e mais barato - simplesmente remover os links de todas as suas plataformas mundiais.

Não importa como responderem, as companhias se verão diante de um atoleiro de questões judiciais internacionais. Os consumidores europeus, por exemplo, estariam protegidos pelas leis europeias, sob as quais a liberdade de expressão e a privacidade têm posição mais ou menos igual. Sob os padrões mais fortes de proteção à privacidade que foram propostos, qualquer companhia mundial, mesmo que não tenha presença física na Europa, teria de seguir essas regras caso seus serviços sejam usados por consumidores europeus.

Mas os norte-americanos que quiserem recorrer às leis europeias de defesa da privacidade podem se ver reprimidos pelas leis de defesa da liberdade de expressão nos Estados Unidos.

O tribunal europeu se envolveu no caso quando as autoridades espanholas de proteção de dados buscaram orientação depois que o Google se recusou a remover links para informações sobre a situação tributária e as dívidas de um advogado espanhol.

Mas o Google já enfrentou diversos pedidos de remoção de informações na Europa, por diversos motivos legais.

Na Alemanha, por exemplo, o Google já bloqueia links para conteúdo que promovam princípios fascistas.

E na Itália uma organização local de caridade processou o Google depois que um vídeo que mostrava uma criança com síndrome de Down sendo intimidada por outras crianças foi subido para o YouTube, serviço de vídeos controlado pela companhia. A organização alegou que o vídeo violava os direitos de privacidade da criança. O Google removeu o conteúdo. Três executivos da empresa, condenados por invasão de privacidade por uma instância inferior, tiveram sua condenação revertida pela corte suprema europeia no ano passado.

Mas nem o Google e nem os demais serviços europeus de buscas tiveram de enfrentar a perspectiva de ter que atender a tantos pedidos de remoção de links quanto a nova decisão judicial europeia pode deflagrar.

"A decisão parece difícil de aplicar em larga escala", disse Schiavoni, da Ovum.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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