Folha de S. Paulo


Envolto em polêmicas, Museu do 11 de Setembro abre no local das Torres Gêmeas

A sapatilha de bailarina de Maile Hale divide o espaço com o elmo viking feito à mão por Brian Sweeney e o conjunto de bola e luva de softball de Robert Wallace.

Hale, 26, estava no 106º andar da Torre Norte do World Trade Center a trabalho. Sweeney, 38, ia de Boston para Los Angeles no voo 175, que atingiu a Torre Sul. Wallace, 43, foi um dos primeiros bombeiros enviados ao local para o resgate.

Três histórias particulares que foram unidas em uma das galerias do novo Museu Nacional da Memória do 11 de Setembro, que abre no dia 21 ao público, na tentativa de personalizar o trágico fim das 2.977 vítimas dos atentados terroristas de 2001.

Editoria de Arte/Folhapress

Nesta quinta-feira, o museu será aberto aos familiares das vítimas, em uma cerimônia com o presidente Barack Obama. Pela próxima semana, eles terão exclusividade de acesso, e o espaço poderá ser visitado por 24 horas.

As histórias de todas as vítimas do 11 de Setembro -e dos seis que morreram no ataque ao World Trade Center em 1993-, serão recontadas em totens com animações espalhados pela Galeria da Memória, na base da antiga Torre Sul. Fotos de cada uma cobrem as paredes do local, organizadas por ordem alfabética.

Ao todo, o museu exibirá mais de 10.300 peças, incluindo 2.380 doações particulares feitas pelas famílias, 2.136 documentos e 37 grandes objetos retirados do local dos atentados.

Entre estes últimos, estão fragmentos de um dos aviões, um carro de bombeiro parcialmente destruído após ser usado no socorro, uma antena de rádio e TV que ficava sobre uma das torres e cinco enormes colunas de aço retorcidas pelo impacto das duas aeronaves.

Três monumentais peças, no entanto, se encarregarão de transportar o visitante ao local e momento dos ataques. É o caso da "Escada dos Sobreviventes", que levava a uma saída para a Vesey St. e serviu como rota de fuga para centenas de sobreviventes.

"Elas foram o caminho para a liberdade", disse a sobrevivente Kayla Bergeron, em frase agora eternizada aos pés da escada no museu.

O lance com 38 degraus, 19,4 metros de comprimento e 58 toneladas foi transportado para o local e poderá ser visto enquanto o visitante desce uma escada paralela.

Antes dela, no entanto, ele já terá passado pelos dois enormes "tridentes" de aço, cada um com 70 toneladas, que serviam de sustentação ao WTC1. As colunas são o primeiro contato real do visitante com o que sobrou das Torres Gêmeas. No roteiro elaborado pelo museu, o ciclo se completa com a terceira imponente relíquia: a chamada "última coluna".

Com cerca de 11 metros de altura, ela foi a última a ser retirada do local dos ataques. O museu manteve as dezenas de mensagens e fotos pregadas nela por familiares e amigos.

Para Jake Barton, fundador da Local Projects, responsável por toda a parte multimídia do museu, o maior desafio foi tentar desenvolver "uma experiência que fosse significativa", considerando a diversidade do público que vai visitar o museu.

"A exposição precisa servir tanto à pessoa que escapou dos prédios em chamas e testemunhou o que aconteceu naquele dia, até pessoas que não sabem nada sobre o atentado", disse Barton, durante um tour exclusivo para jornalistas.

"Além do que a história do 11 de Setembro ainda não terminou. Há pessoas que acham que é muito cedo para abrir um museu, que seria preciso esperar ao menos uma geração para contar a história [dos ataques], porque ainda não sabemos seu impacto."

POLÊMICAS

Envolto em polêmicas desde a sua concepção inicial, o museu viu a administração à sua frente mudar várias vezes desde 2004 -o que acabou travando o projeto em muitas ocasiões- e passou por diversas dificuldades técnicas, que envolveram inclusive a inundação do local durante o furacão Sandy, em 2012.

Na sua reta final, as críticas dos familiares das vítimas se centraram no valor do ingresso que será cobrado - US$ 24 - e na decisão de levar os restos mortais ainda não identificados para o museu.

"Restos mortais não deveriam ser uma ferramenta de marketing para uma entrada que custa US$ 24. É uma desgraça, é um sacrilégio", disse Sally Regenhard, vice-presidente do grupo Pais e Familiares dos Bombeiros e Vítima do World Trade Center, à rede CBS.

O custo total de construção do museu e do memorial -formado pelas duas grandes piscinas- foi de US$ 700 milhões, sendo que mais de US$ 450 milhões foram levantados com dinheiro privado. Segundo a administração do local, os valores dos ingressos -junto com as vendas da loja do museu- deverão gerar entre 60% e 70% dos US$ 60 milhões de orçamento anual do complexo.

A comunidade islâmica, por sua vez, se opôs a um vídeo da exposição que narra a "ascensão da Al Qaeda". No filme de menos de 7 minutos, os terroristas que sequestraram os aviões são descritos como "islamistas que assumiram a jihad como sua missão", o que foi considerado extremamente ofensivo por líderes islâmicos locais.

A decisão do museu, entretanto, foi manter o vídeo em sua versão original. "Este filme, dentro do contexto da exposição ao seu redor, concentra-se nas raízes da Al Qaeda com o propósito expresso de ajudar os visitantes a entender quem cometeu os atentados. Não pretende ser um filme sobre o Islã ou generalizar que muçulmanos são terroristas", explicou a administração do museu em nota.

NARRATIVAS

Os idealizadores do museu asseguram que um dos pontos fundamentais era conseguir dar "voz" a todos os que foram impactados pelos atentados. Por isso, a preocupação em trazer a maior quantidade de depoimentos -só no áudio da instalação na entrada do museu, são trechos das falas de 500 pessoas de 43 países, em 28 línguas.

"Qualquer pessoa pode entrar aqui e reconhecer um pouco de si, porque há uma grande variedade de narrativas. Com isso, o visitante pode sentir que o museu conta uma história verdadeira", disse Tom Hennes, diretor da Thinc Design e um dos responsáveis pelo projeto do museu.

Houve também a preocupação de tentar responder "as perguntas que ainda permanecem", como as teorias conspiratórias de que o governo Bush deixou deliberadamente que os ataques acontecessem, que as torres foram dinamitadas por explosivos e que o Pentágono não teria sido atingido por um avião, mas por um míssil.

"Não falamos especificamente sobre as teorias da conspiração, mas respondemos a muitas perguntas que essas teorias levantaram sobre questões científicas e de engenharia", disse Barton. "Há uma parte da exposição que mostra as gravações de quatro diferentes câmeras de segurança na hora da explosão do Pentágono, de forma muito detalhada", exemplificou.

Para Steven Davis, sócio do escritório de arquitetura Davis Brody Bond -o único mantido desde o início do projeto-, o museu tenta trazer, acima de tudo, uma visão otimista.

"Quando você pensa sobre todo esse espaço, sobre o museu e sua missão, há um otimismo embutido", diz. "É sobre como seguir em frente e fazer um mundo mais pacífico."


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