Folha de S. Paulo


Primeiro gay em alto cargo nas Forças Armadas dos EUA conta como lida com o tema

O subsecretário da Força Aérea dos EUA, Eric Fanning, é o primeiro homossexual num alto cargo no Departamento de Defesa. Assistiu às mudanças após o fim da política que obrigava os gays a ficarem no armário nas Forças Armadas, "don't ask, don't tell" (não pergunte, não conte). Solteiro, é formado em história pela Universidade Dartmouth e fez parte do conselho de uma entidade pró-gays, a Victory Fund.

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Um militar pode levar o namorado ou o marido a um evento da Força Aérea? Nas bases americanas no exterior, casais gays podem morar juntos? Pode haver beijo na boca em público?

Essas perguntas fizeram parte dos cursos de transição que tivemos aqui no Pentágono a partir de 2010, quando gays e lésbicas enfim puderam ser aceitos, sem precisar esconder a orientação sexual.

Minha resposta sempre foi: tire a palavra "gay" da equação. O que é permitido a casais heterossexuais? Casais gays têm os mesmos direitos. Podem trazer companheiros e podem se beijar, claro.

Senior Airman Tristin/U.S. Air Force
Eric Fanning (à dir.) cumprimenta o tenente-brigadeiro Brooks Bash em visita à base aérea de Scott
Eric Fanning (à dir.) cumprimenta o tenente-brigadeiro Brooks Bash em visita à base aérea de Scott

Generais contrários à entrada de gays tiveram de se adaptar. Pensei que eu fosse sofrer com momentos embaraçosos, mas foi bem tranquilo.

Quando o Senado confirmou minha nomeação para subsecretário da Força Aérea, em 2013, o fato de eu ser gay ganhou muito mais espaço que a responsabilidade de gerir uma força de 700 mil funcionários e um orçamento de US$ 110 bilhões, em tempo de ajustes econômicos.

Venho de uma família de militares: tive dois tios na Força Aérea (um lutou na Guerra da Coreia), um no Exército e um primo nos marines (fuzileiros navais). Mas sabia que eu não poderia ser militar. Não estava fora do armário ainda quando adolescente, mas já sabia que era gay e que não seria aceito nas Forças Armadas.

Queria estudar arquitetura em Dartmouth, mas em 1988 participei da campanha democrata e fui picado pelo bichinho da política. Um ano depois, estava em Washington. Meu primeiro emprego foi na Comissão de Forças Armadas no Congresso. Trabalho há 25 anos com os militares.

No primeiro mandato do presidente Bill Clinton, virei assessor especial do então secretário de Defesa, Les Aspin. Meu tio se aposentava da Força Aérea e eu entrei oficialmente no Pentágono em 1993.

Nessa época foi aprovada a lei "don't ask, don't tell" (não pergunte, não conte), que permitia gays nas Forças Armadas, desde que ficassem no armário. Como meu cargo vinha de indicação política, não precisei voltar para o armário, mas foi constrangedor ouvir tantos generais dizendo que gays afetariam o moral das tropas e não estavam preparados para servir o país.

Tive a sorte de voltar ao Pentágono após o governo Bush, quando virei subsecretário-assistente da Marinha, em 2009. O presidente Barack Obama sancionou o fim do "don't ask, don't tell" em 2010. Hoje, os funcionários gays do Pentágono temos encontros duas vezes por semana numa das lanchonetes, para socializar e fazer amigos. Vou várias vezes para conhecer o pessoal e dar o exemplo. Não temos nada a esconder.

Muita coisa mudou. Minha chefe [a secretária da Força Aérea, Deborah Lee James] é apenas a segunda mulher a chefiar a Força, mas hoje temos muito mais mulheres, incluindo uma general de quatro estrelas na Força Aérea.

Já temos transexuais no Pentágono como civis nomeados, mas as leis ainda impedem transexuais com farda. Mas acho que é questão de tempo para termos militares trans servindo este país. Gays e lésbicas passam pelos mesmos testes, desafios e treinamentos que os demais. Não temos privilégios.

Já visitei 80 países a trabalho, mas vou mais aonde temos bases militares. Nunca estive no Brasil –sou dos que deixam o melhor para o final. Nosso chefe de gabinete foi a vários encontros no Brasil e diz que vocês têm uma ótima Força Aérea. Mas espero que minha primeira viagem ao Brasil seja de lazer. É o que todo mundo me sugere.


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