Folha de S. Paulo


Análise: Sanções mostram que Putin não precisa mudar seus objetivos

A fuga de capitais da Rússia se intensifica, a espiral descendente do rublo continua, e o capitalismo russo enfrenta tempos difíceis -haja visto a bolsa de valores de Moscou. Devido à Ucrânia.

Porque os EUA e a Europa estão congelando os bens e estragando os planos de férias de um número crescente de russos e ucranianos ricos identificados como tendo vínculos estreitos com Putin ou sendo cúmplices na agressão contra a Ucrânia.

Em Washington e nas capitais europeias, a esperança é que os novos-ricos russos, vendo parte de sua fortuna se esvair, voltem-se contra o Kremlin e moderem o novo nacionalismo de Putin. O Ocidente insiste que as sanções estão tendo efeito e que Putin será obrigado a repensar.

Mas Putin pôs na prisão o oligarca mais rico da Rússia, Mikhail Khodorkovsky, e confiscou os bens de Boris Berezovsky, levando-o a fugir para Londres. Os oligarcas leais são recompensados; os desleais são castigados, e seus bens são desapropriados.

É uma velha história na Rússia -o sacrifício em nome dos interesses nacionais–, e Putin sabe como manejá-la. Há pouco que sugira que as duas etapas de sanções ocidentais à Rússia que já estão sendo implementadas possam levá-lo a mudar de postura.

As sanções de nível três são outra história. Há mais de um mês, Estados Unidos e Europa vêm ameaçando com sanções setoriais sobre o comércio, a energia, as finanças e os equipamentos militares.

O ministro do Exterior britânico, William Hague, disse na segunda-feira que esses embargos estão "em preparação".

No fim de semana os líderes do G7 -os EUA, o Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Japão e Canadá-e os presidentes do Conselho Europeu e da Comissão Europeia disseram: "Continuamos a fazer os preparativos para a adoção de sanções coordenadas mais amplas, incluindo medidas setoriais, caso as circunstâncias o exijam".

Os termos em que a declaração foi apresentada são evasivos. As ameaças são vazias de sentido. Não existe na Europa o desejo de adotar tais medidas, porque o resultado delas seria uma guerra comercial devastadora que prejudicaria uma economia europeia fraca, que se encontra apenas nos estágios iniciais de uma recuperação da recessão e de anos de crise cambial e de dívida.

"É um pouco como a dissuasão nuclear", opinou um alto representante europeu. "As sanções econômicas funcionam melhor quando não são usadas."

Assim, os europeus recorreram a uma política de inação feita para parecer que é ação: muita atividade e nada de decisões. As sanções sempre estão "sendo preparadas".

As autoridades britânicas têm plena consciência de qual seria o impacto de sanções financeiras sérias sobre a City de Londres, assim como Paris tem consciência de seu efeito sobre os contratos do setor de defesa e os alemães têm consciência aguda dos custos que decorreriam para seus exportadores de carros e suas gigantes energéticas.

Mas pedem que a Comissão Europeia estude as consequências da adoção de sanções, que então apresente suas conclusões aos assessores de primeiros-ministros, presidentes e chanceleres, que, então, voltarão à Comissão fazendo mais recomendações que visam adiar a ação e as decisões, e não apressá-las.

Os russos sabem disso. Além disso, Putin não evita correr riscos. Obama, Merkel e Hollande são líderes avessos a riscos.

Com 12 vezes mais comércio e investimentos em jogo que os americanos e, diferentemente dos EUA, bastante dependentes nos fornecimentos de energia da Sibéria, os europeus se ressentem da pressão exercida por Washington em favor do endurecimento das sanções.

Eles estão profundamente divididos entre a Europa oriental e ocidental, mas também há divisões internas nesses dois campos. A Polônia e os três Estados bálticos são os falcões, enquanto Hungria, Eslováquia e Bulgária se mostram mais "compreensivos" em relação à posição russa.

Na Europa ocidental, o Reino Unido tende a posicionar-se com os "falcões" do leste europeu, enquanto Berlim está determinada a não fechar a porta ao diálogo com o Kremlin. Itália, Espanha, Grécia e o Chipre grego são contra a proposta de punir a Rússia.

Se as sanções setoriais forem impostas, haverá desentendimentos dentro da Europa em relação a quem vai ou não vai suportar as consequências principais. Os russos são hábeis em dividir os europeus. Neste caso, contudo, eles não precisam se esforçar muito para isso.

Na sede da Otan, em Bruxelas, o secretário-geral da organização, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, fala como se quisesse ver a Rússia tachada de adversário do Ocidente. Mas nos Conselhos da UE, do outro lado da cidade, há resistência acirrada a essa posição.

A não ser que Putin promova uma escalada dramática na Ucrânia, não haverá mudanças grandes no regime de sanções.

Se o objetivo atual do Kremlin é estragar as eleições na Ucrânia previstas para dentro de quatro semanas, reescrever o plano de ação do governo de Kiev e manter o país fraco e instável, ao mesmo tempo assegurando que o Ocidente despeje bilhões de dólares na Ucrânia, Putin poderá suportar sem dificuldade as sanções do modo como estão previstas por enquanto.

Tradução de CLARA ALLAIN


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