Folha de S. Paulo


Cercado pela Síria, campo de refugiados vive o caos

Quando fugiram do que era a Palestina britânica, durante a fundação de Israel, em 1948, milhares de refugiados palestinos encontraram na periferia de Damasco um lar onde passaram a discutir o chamado ano da "nakba", ou seja, de sua "catástrofe".

Esses refugiados procuram agora, décadas depois, um novo termo para referir-se ao desastre em andamento no campo de Yarmuk, fundado em 1957 para abrigá-los.

Em meio ao conflito civil regional, o Exército sírio sitiou o local e, desde julho, controla a passagem de pessoas e, mais grave, de alimentos e auxílio humanitário.

A partir de então, a comunidade internacional tem denunciado o que considera um crime de guerra, devido à morte de dezenas de civis, vitimados pela desnutrição.

"É um lugar de sofrimento humano inimaginável", diz à Folha Chris Gunness, porta-voz da agência da ONU para refugiados palestinos. "Há relatos sobre crianças desnutridas, mulheres morrendo no parto por falta de cuidado médico e civis obrigados a comer ração animal", afirma.

Do total de 160 mil palestinos em Yarmuk, antes do conflito, há hoje cerca de 18 mil. Moram no campo, também, 2.000 cidadãos sírios.

"Estou esperando alguma coisa acontecer e eu voltar para casa", diz à reportagem Hussein Ahmad Hamud, nos entornos do campo. Ele deixou Yarmuk há dez meses, durante a intensificação dos embates. "A comida entra no campo, mas os grupos armados roubam tudo."

Ali Keilani, também do lado de fora do campo, completa afirmando que seus pais, presos dentro de Yarmuk, "estão comendo o mato".

O refugiado Majid Duwa conta que seu filho foi morto em 21 de março por um franco-atirador rebelde, durante uma entrega de mantimentos. "Ele ajudava a distribuir comida", diz. Espancado por insurgentes, Duwa afirma ter deixado Yarmuk há um mês e, desde então, ter dormido em um parque público.

Um relatório da Anistia Internacional publicado em março aponta que quase 200 civis morreram em Yarmuk desde julho, 128 deles por desnutrição. Moradores afirmam não ter comido frutas e vegetais nos últimos meses.

FINANCIAMENTO

A ONU iniciou a entrega de ajuda humanitária em janeiro deste ano, em acordo com o regime. Mas os frequentes confrontos têm impedido a entrada de alimento.

Desde então, foram enviados cerca de 10 mil lotes de comida. O escritório da ONU calcula serem necessários 700 pacotes ao dia, no mínimo, para suprir as necessidades dos moradores.

Há, além das Nações Unidas, uma série de organizações de apoio aos famintos de Yarmuk. O Comitê Beneficente para o Povo Palestino, financiado pelo grupo terrorista Jihad Islâmico, diz entregar até 500 caixas ao dia a famílias que saíram do campo.

Na Síria, a fome não afeta apenas os refugiados palestinos. Uma seca histórica e uma baixa recorde na produção de trigo devem empurrar milhões para a desnutrição, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU (PAM).

E, conforme a ONU, só 8% do orçamento da instituição para 2014 relativo à Síria está garantido. O Brasil não fez doações desde o início da crise. O PAM ajuda 4,2 milhões de pessoas na Síria, mas precisaria ajudar 6 milhões.


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