Após mais de três semanas de ocupação do Parlamento, manifestantes de Taiwan encerraram nesta quinta-feira um protesto sem precedente contra a influência da China continental na ilha.
Liderados por um grupo de estudantes universitários, os manifestantes deixaram o Parlamento vestindo camisas pretas e segurando girassóis, que tornaram-se o símbolo do movimento.
"A saída não significa que estamos desistindo", disse o estudante Lin Fei-fan, líder do movimento. Ele prometeu manter a pressão contra um acordo comercial que Taiwan quer estabelecer com a China continental.
O controvertido pacto de comércio e serviços foi o estopim dos protestos, que levou à ocupação do Parlamento, no dia 18 de março, e a uma manifestação de rua com que atraiu mais de cem mil pessoas.
A insatisfação foi provocada pela falta de transparência do governo, que quebrou a promessa de submeter todas as cláusulas do acordo a análise do Parlamento.
O pacto, que facilita os investimentos da China em Taiwan e vice-versa, é visto por muitos taiwaneses como uma ameaça ao seu setor de serviços, que com a abertura não teria como competir com os chineses.
Os estudantes aceitaram desocupar o Parlamento depois que o presidente do Legislativo, Wang Jin-pyng, prometeu suspender os debates sobre o acordo até a aprovação de uma lei para monitorar os pactos assinados com a China.
Embora essa tenha sido uma das principais exigências dos manifestantes, muitos agora defendem manter a pressão para que o acordo inteiro seja cancelado.
Além disso, há dúvidas de que a promessa de Wang será cumprida, já que ele é rival político do presidente Ma Ying-jeou no Kuomintang, o partido governista.
Após o anúncio de que os manifestantes desocupariam o Parlamento, Ma voltou a defender o acordo.
"Esta é uma ótima oportunidade para que o setor de serviços de Taiwan se expanda em direção ao continente (China)", disse o presidente. Segundo ele, Taiwan ganha mais que a China, já que o setor de serviços taiwanês está "saturado".
A explosão de revolta representa um baque ao processo de reaproximação entre China e Taiwan e à política de Pequim de pavimentar a unificação politica aos poucos, por meio da integração econômica.
DIÁLOGO
Esse processo de distensão teve um momento histórico há algumas semanas, essa distensão teve um momento histórico, quando China e Taiwan tiveram o primeiro diálogo oficial desde o fim da guerra civil que terminou com a separação, em 1949.
A China considera Taiwan uma "província rebelde" e mantém 1.200 mísseis apontados para a ilha, mas nos últimos anos o governo de Pequim tem adotado um tom mais conciliatório, confiante de que a unificação é questão de tempo.
Em entrevista à Folha por e-mail, pouco antes de deixar o Parlamento, Li Fei-fan disse que sente-se ameaçado pela pressão da China, mas que o movimento não é por independência, mas em defesa da democracia.
Ele insinuou que o movimento liderado pelos estudantes pode dar origem a uma alternativa à polarização entre o governista Kuomintang e o principal partido opositor, PDP (Partido Democrático Progressista).
"O movimento girassol despertou a consciência pública sobre a democracia e isso deverá ser uma força de oposição enquanto a democracia estiver sob ameaça", disse o líder estudantil.
Mais que a rejeição ao acordo, os protestos foram considerados um grito de independência diante da crescente influência chinesa. Essa foi a interpretação do governo chinês, que acusou o movimento de separatista.
COMÉRCIO BILATERAL
Desde que chegou ao poder, em 2009, o presidente Ma tem promovido a aproximação com a China e colhido resultados. O comércio bilateral dobrou nesse período, chegando a US$ 197 bilhões no ano passado.
Mais da metade do que é produzido em Taiwan é exportado para a China. Cerca de 80% do investimento taiwainês fora de seu território está na China.
A dependência põe Taiwan em uma "encruzilhada", diz o brasileiro Moisés Lopes de Souza, doutorando em Estudos de Ásia-Pacífico pela National Chengchi University, em Taipei.
"Se jogar duro com a China, há um impacto direto na economia. Taiwan não tem plano B", explicou Moisés à Folha, por telefone.
O dilema se reflete na ambivalência demonstrada pela opinião pública. Segundo pesquisa da Chengchi University, 76,1% das pessoas defendem a manutenção do status quo. Só 5,7% são favoráveis à independência.
"A tragédia de Taiwan é que sua economia é pequena demais e seu Exército é fraco demais diante do continente", observou Dingding Chen, professor da University of Macau, em artigo na revista "The Diplomat".
Em vez de promover a "ilusão" de independência, diz ele, os manifestantes deveriam trabalhar para manter o máximo de autonomia em futuras negociações com a China continental.