Folha de S. Paulo


Esquema leva homens à Ucrânia em busca de casamento

O momento é difícil para Odessa. Depois da anexação da Crimeia, as forças pró-russas estão causando agitação nesse porto do Mar Negro, e há impasses toda semana entre os manifestantes que desejam fazer parte da Ucrânia e aqueles que desejam uma conexão mais estreita com a Rússia.

Mas apesar de todo o caos político e econômico que engolfou a Ucrânia nos três últimos meses, um setor continua a prosperar: o dos romances via Internet.

As economias de diversas cidades ucranianas recebem estímulo do surreal e bizarro comércio de noivas online, e Odessa é o epicentro da atividade.

Não demora muito para que um visitante à cidade encontre por acaso um desses "namoros internacionais" - há legiões de homens ocidentais na cidade para encontros com jovens ucranianas a quem conheceram online, o mais das vezes em conversas intermediadas por um tradutor.

Nos cibercafés e em casas de toda a cidade, milhares de mulheres passam horas a cada dia conversando com potenciais pretendentes.

Nada como a perspectiva de dificuldades econômicas para facilitar as conexões românticas intercontinentais, e até o momento, longe de cair nos últimos meses, o mercado de "noivas" e encontros românticos está prosperando.

Na verdade, agora existem mais homens ocidentais planejando viagens a Odessa do que era o caso no ano passado, quando acompanhei uma "excursão romântica" à Ucrânia como repórter de uma revista.

Passei uma semana em Odessa com 29 homens, todos os quais esperavam encontrar uma noiva na viagem. A maioria dos meus companheiros era de norte-americanos, mas havia também britânicos, um italiano e um saudita, no grupo.

A companhia que organizou a excursão se chama Anastasia Internacional, e ela não é uma operação de fundo de quintal, mas uma grande empresa com faturamento calculado em US$ 140 milhões no ano passado.

Os bancos de dados da Anastasia contam com milhares de mulheres na Ucrânia e outros locais, para chats e encontros pessoais com solteiros de todo o mundo que estão em busca de um casamento.

O setor de encontros pela Internet ganhou escala e respeitabilidade na última década, e a Anastasia está tendo se redefinir o que um dia foi conhecido como serviço de "noivas por encomenda" de umas maneira mais moderna e progressista.

O segmento já não está reservado a homens dúbios e exploradores que procuram mulheres vulneráveis, com antecedentes de pobreza, para que trabalhem como escravas sexuais em longo prazo, sugere o marketing da companhia. O que temos agora é "paquera internacional", uma maneira civilizada de buscar um romance sem fronteiras.

Exceto que essa nova definição continua a ser perturbadora. Os homens pagam por minuto pelos chats online com as mulheres, algo que é claramente perceptível como um lado perigoso do modelo de negócios adotado. A companhia alega em seu site que encontrar uma mulher na Ucrânia é como "namorar uma modelo, mas com os valores de sua avó". Os homens que prestam depoimentos sobre os serviços da companhia estão cansados das mulheres ocidentais, que insistem terem esquecido os "valores de família".

"HORA DE ENTRAR EM CAMPO"

Armado com essas informações, o que eu esperava era passar uma semana nauseado diante de homens odiosos que tomam mulheres vulneráveis como presas, e com certeza alguns dos membros do grupo levavam a misoginia à estratosfera. Mas a história era mais ampla e mais complicada.

"É hora de entrar em campo, e ninguém me chama para jogar", me disse Todd, atônito, durante um café da manhã.

Todd, 43, entregador de pão no Delaware, passou meses trabalhando horas extras para conseguir pagar a excursão à Ucrânia; ele passou semanas trabalhando sem folga a fim de economizar os US$ 5 mil que pagou para passar uma semana em Odessa e, com sorte, encontrar uma noiva.

Embora as expectativas de Todd quanto ao que uma noiva ucraniana poderia oferecer fossem patentemente irreais, foi doloroso acompanhá-lo em seu caminho rumo ao desapontamento. Muitos dos homens da excursão são pessoas menos simpáticas que Todd, mas eram todos solitários.

Alguns estavam desiludidos com os namoros e as paqueras do Ocidente, porque as mulheres não se interessam por eles; outros estavam se recuperando de um divórcio ou da morte da mulher.

Outro homem com quem passei um bom tempo foi Stephen, 62, do Texas, divorciado há muitos anos e em sua 11ª viagem à Ucrânia, na vã esperança de encontrar uma noiva.

Stephen terminou conhecendo uma pianista chamada Elena, na excursão. No segundo encontro ela disse a ele que sentia que os dois podiam ser almas gêmeas. Pelo final da semana ele estava seguro de que havia encontrado a mulher com quem dividiria sua vida. Foi uma semana cara, com jantares, táxis e o pagamento ao tradutor, mas Stephen estava deliciado por ter encontrado o amor.

Quando fui embora, Stephen estava pronto para pedir Elena em casamento, mas dois meses mais tarde ele me contou por e-mail que havia saído tudo errado.

A sua pretendida o avisou de que precisava pensar mais antes de assumir um compromisso, mas sugeriu que ele voltasse a Odessa para que pudessem continuar com seus dispendiosos encontros platônicos.

Todd nem mesmo conseguiu chegar ao estágio do encontro, o que em retrospecto talvez tenha sido uma sorte para ele.

As mulheres recebiam comissões pelo tempo que passavam no chat com ele, mas quando ele chegou à cidade nenhuma delas atendeu seus telefonemas.

Todd me escreveu mais tarde que "precisei de quase um mês para processar o acontecido e superar o que passei. Decidi encerrar esse capítulo da minha vida e seguir adiante. Agora estou concentrado em mim e na minha vida, e em fazer coisas que me tornem uma pessoa melhor, e seguir outros sonhos e esperanças que tenho. Será que um dia encontrarei minha outra metade? Não tenho como saber. Pelo menos posso dizer que tentei. Se eu tiver de morrer solteiro, que seja".

"PROSTITUIÇÃO EMOCIONAL"

A Anastasia International, embora não seja parte direta de quaisquer conluios, opera um modelo de negócios altamente lucrativo que permite que a companhia floresça. Embora conexões reais e duradouras ocasionalmente sejam formadas por meio do site, é muito mais frequente que seus serviços sirvam apenas para reforçar os círculos concêntricos de desconfiança, desapontamento e sofrimento emocional de todos os envolvidos.

A Anastasia insiste em que detecta e elimina possíveis trapaças sempre que as encontra, e proibiu algumas mulheres de participarem do site. Também diz que reembolsa os clientes que se tornarem vítimas de trapaças, e que oferece conselhos sobre como evitá-las.

Larry Cervantes, o porta-voz da em presa, me escreveu depois da excursão. "É verdade que alguns desses caras estão gastando dinheiro que não têm. Mas muitos homens norte-americanos gastam tudo que têm procurando mulheres nos Estados Unidos, como os britânicos que procuram britânicas. Qual é a diferença, então? Ao longo da História, os homens sempre buscaram o inatingível, e fizeram papel de bobo por isso. O que mudou?"

A diferença, claro, é que a empresa está obtendo imensos lucros desses homens que fazem papel de bobos, e embora muitas mulheres também extraiam dinheiro do esquema, não está claro que isso as beneficie em longo prazo.

O livro eletrônico de Shaun Walker sobre a indústria ucraniana do casamento, "Odessa Dreams", pode ser comprado online por 1,99 libra.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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