Folha de S. Paulo


Presidente Maduro diz que faria protesto por produtos

Na continuação da entrevista, Maduro comenta as manifestações no país e diz que também protestaria, caso não fosse presidente.

*

Folha - A deputada Maria Corina Machado foi cassada na semana passada de seu cargo de deputada sem um processo em que pudesse se defender. No Brasil, um deputado condenado chegou a ir algemado ao Congresso e teve direito à defesa, tal a gravidade de se cassar, numa democracia, um parlamentar eleito.
Nicolás Maduro - Ela abandonou a Assembleia Nacional. Como deputada, estava proibida, pela Constituição, de aceitar outros cargos públicos. Bem, essa ex-deputada aceitou um cargo público de um governo estrangeiro, o panamenho [ela tentou falar na OEA com credencial do Panamá], que é inclusive um governo hostil à Venezuela.

Não seria necessário um processo em que se defendesse?
Como dizem os constitucionalistas, esses casos não admitem provas contrárias, porque são uma violação expressa da Constituição.

Prefeitos também foram destituídos, condenados e presos porque não evitaram barricadas em suas cidades, com direito a julgamento em uma única instância. Também não foi um pouco violento?
A única violência foi o ataque ao povo que os elegeu. Esses prefeitos, com mentalidade fascista, de direita extrema, encabeçaram ataques, usaram seus cargos para atacar seus próprios eleitores. Um deles foi responsável pelo incêndio de uma universidade, levantou barricadas.

Barricadas são históricas, usadas em diferentes épocas por manifestantes. De novo: não é um exagero falar em golpe?
No caso da Venezuela, não. Porque o plano deles era trancar o país, as cidades principais, enchendo as ruas de barricadas, como na Ucrânia.
É como fizeram com João Goulart [derrubado no golpe de 1964]. Demonizaram João Goulart. Fizeram protestos de família e liberdade. Diziam: "são pacíficos". Mas detrás deles havia um plano golpista, dos EUA e da CIA. Isso contra o Brasil, que é um continente. Imagine contra a Venezuela?
E agora, 50 anos depois, sai a CIA pedindo perdão. Documentos provam que o principal plano de ataque dos EUA contra o [presidente chileno Salvador] Allende [que sofreu golpe em 1973] era na economia. Na época, perguntavam ao Goulart e ao Allende: "Vocês têm provas de que a CIA planeja um golpe?" Diziam: "Não, não tenho". Eu, sim, tenho provas de que estiveram por trás do golpe contra Chávez [em 2002] e que estão agora por trás deste golpe.

Que provas tem?
Documentos de todo tipo. De como se conspira. De como se financia.

O senhor fala de guerra econômica. Mas há problemas de administração da economia.
Claro. Há problemas em todos os países.

Há dificuldades na exportação de petróleo, na produtividade, na produção de alimentos, no câmbio. Há intervenções em preços, controle de juros. Isso não prejudica um bom ambiente para os negócios?
Nosso modelo é exitoso. Em 1999, nosso PIB era de US$ 90 bilhões. Hoje é de US$ 400 bilhões. É certo que em algum momento cometemos erros. Enfrentando a guerra econômica, a especulação, o roubo, a corrupção, tomamos medidas às vezes muito severas que paralisaram o trabalho produtivo de alguns setores. Na Comissão de Paz [que reúne governo, setores da oposição e empresários], estamos corrigindo, para liberar as forças produtivas.

Inflação, violência e desabastecimento não são problemas de agora.
São problemas de todos os países. Se agarrarmos um mapa agora mesmo, buscarmos dez países, e estudarmos por uma semana...

A maior inflação será a da Venezuela.
Mas a maior igualdade será a da Venezuela também. Todos os países têm problemas, que surgem por uma conjuntura, por causas naturais, sociais ou por políticas equivocadas. E isso justifica a violência, derrubar governos legítimos e democráticos no mundo? Não. Quem quiser protestar que proteste.
O comandante Chávez foi o campeão da crítica e da autocrítica. E era o campeão de chamar o povo aos protestos. Eu também. Eu chamo ao povo venezuelano que proteste.

Se uma pessoa está em uma fila e não encontra leite, não encontra papel higiênico...
Isso é conjuntural.

Se o senhor não fosse presidente, protestaria também?
Totalmente. Totalmente. Para isso há democracia. Para que as pessoas saiam, digam o que querem, o que sentem, e para que os governantes façam o que têm que fazer para resolver os problemas. Agora, que não seja uma coisa de marketing. E por que a Venezuela é o centro de tanto ataque midiático mundial, quando tem menos problemas do que outros povos do mundo? Quando as pessoas aqui não morrem de fome, têm o seu teto, a educação garantida? É porque a Venezuela é o epicentro de uma revolução, de uma mudança de paradigma na América Latina. Querem desprestigiar a revolução para que os povos não vejam que um outro rumo, um outro mundo é possível.


Endereço da página:

Links no texto: