Folha de S. Paulo


Crimeia oficializa separação e declara nacionalização de órgãos da Ucrânia

O Parlamento da Crimeia oficializou nesta segunda-feira o pedido de anexação à Rússia e anunciou que todas as empresas e órgãos públicos ucranianos instalados na península perdem poderes e passam a ser propriedade local.

É a primeira medida oficial das autoridades após o referendo de domingo que aprovou a separação da Ucrânia e a anexação ao território russo com 96,7% dos votos.

Os membros do Parlamento fizeram uma reunião extraordinária para adotar essas medidas, que não devem ser reconhecidas pelo governo de Kiev. Abordado pela Folha na saída da votação, o vice-primeiro ministro local, Rustam Temirgaliyev, apenas declarou: "Tudo maravilhoso, vai ser tudo perfeito".

A resolução, apreciada por 85 deputados, diz que ""todos os órgãos estatais da Ucrânia na Crimeia, suas propriedades e recursos são finalizados e transferidos para as autoridades da República da Crimeia". "As propriedades estatais da Ucrânia localizadas no dia desta regulamentação no território da República da Crimeia são propriedades públicas da República da Crimeia", afirma o texto.

E continua: "Todas as instituições, empresas e outras organizações, ou instituições da Ucrânia com participação na Crimeia se transformam em instituições, empresas e organizações da República da Crimeia". Não está claro ainda como fica a situação das empresas privadas ucranianas que atuam na região. As propriedades de sindicatos da Ucrânia também passam a ser do governo da Crimeia, de acordo com a decisão tomada.

O Parlamento ainda pediu ao governo russo para adotar o status de "República da Crimeia da Federação Russa". Uma delegação local viaja nesta segunda-feira a Moscou para discutir as mudanças. As autoridades também decidiram adotar o fuso horário da capital russa.

REPERCUSSÃO

Na noite de ontem, o governo americano reafirmou que não aceitará o resultado: "Como os EUA e os nossos aliados já deixaram claro, a intervenção militar e a violação da lei internacional vão trazer custos cada vez maiores para a Rússia". "O referendo é ilegal e ilegítimo, e seu resultado não será reconhecido", disse a União Europeia em nota.

Por telefone, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse ao presidente Barack Obama que o referendo respeita o direito internacional. Defendeu que é preciso buscar uma solução, mas responsabilizou as autoridades de Kiev pela suposta violência contra russos em cidades do país.

Os próximos passos devem dar o tom da tensão daqui para frente com a Ucrânia. Espera-se que o Parlamento da Crimeia tome hoje as primeiras medidas para pôr em prática a estatização de empresas ucranianas. A moeda russa deve ser oficializada como a principal no lugar da ucraniana. As tropas ucranianas baseadas na Crimeia podem receber um prazo para deixar a região, provavelmente até sexta, seguindo acordo de trégua que começou a ser negociado ontem pelos governos de Kiev e da Rússia.

O governo da Crimeia informou nesta manhã que a adesão ao referendo foi de 83,1% da população (ontem, o percentual era de 82%), mesmo com a promessa de boicote por parte dos tártaros (12% da população), e dos ucranianos (em torno de 25%). Ao todo, a península tem dois milhões de habitantes. Só 2,5% votaram pela manutenção como território ucraniano.

Na noite de ontem, uma multidão tomou conta da praça Lênin, principal ponto de encontro de Simferopol, capital da Crimeia, para celebrar o resultado do referendo. De maioria russa, a Crimeia foi anexada à Ucrânia em 1954 na formação da União Soviética. Após a recente queda do então presidente da Ucrânia, Viktor Yanucovih, aliado do presidente russo, Vladimir Putin, o grupo político pró-Rússia tomou o poder na Crimeia e aprovou a anexação a Moscou, convocando o referendo para ratificar a decisão.

O referendo ocorreu com normalidade, apesar da tensão política e militar entre a Rússia e a Ucrânia. A Folha visitou seções de votação na periferia e no centro da cidade para acompanhar o referendo, convocado às pressas pelo governo local. O clima de calmaria se misturou a um modelo amador, sem muita fiscalização -não há, por exemplo, controle de quem entra e sai das salas de votação e a urna onde os cidadãos colocam as cédulas é completamente transparente.

Sem ser incomodada, a reportagem entrou numa sala montada numa escola no centro da cidade e registrou imagens de dentro das urnas em que era possível ver os votos depositados - a maioria pró-Rússia -e, em alguns casos, até quem os depositou. Numa seção montada num hospital no distrito de Gres, na periferia da cidade, a fila de votantes se misturava ao mesmo espaço das cabines e das urnas, um completo caos.

Editoria de Arte/Folhapress
ISTO É CRIMEIAMais rica do que o resto da Ucrânia, região é repleta de bases militares

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