Folha de S. Paulo


Cenário é pacífico em Sebastopol, apesar de tensão militar com a Rússia

À primeira vista, a cidade de Sebastopol, às margens do mar Negro, é uma contradição. Por abrigar uma frota naval russa, é vista como um dos principais pontos da atual tensão militar entre Rússia e Ucrânia na península da Crimeia.

Entretanto, quem circula pela cidade encontra, por enquanto, um cenário pacífico, onde moradores, apesar da crise, não mudaram a rotina de passear tranquilamente pela baía da Artilharia, um dos palcos mais visitados por causa da vista para o mar.

Ontem, a reportagem da Folha passou o dia na cidade, de 330 mil habitantes. No caminho partindo de Simferopol, capital da Crimeia, teve de atravessar, sem ser abordada, uma barreira de soldados pró-Rússia na estrada, espécie de barricada anti-ucranianos pró-Kiev.

A partir dali, cenas de absoluta tranquilidade. Numa das praças de Sebastopol, dois taxistas jogavam dados em meio a pessoas indo e voltando do trabalho.

Nas margens do mar Negro, por exemplo, havia famílias, entre crianças e idosos, descansando e aproveitando o dia ensolarado. Um solitário ainda dava braçadas de caiaque pelo mar, enquanto um jovem andava de patins.

Leandro Colon/Folhapress
Rapaz pratica patinação no píer de Sebastopol (Crimeia)
Rapaz pratica patinação no píer de Sebastopol (Crimeia)

Um bate-papo com os moradores explica um pouco o que se passa ali. Pelo menos 70% da população local tem origem russa e praticamente todos falam a mesma língua de Moscou.

O saldo disso é que a maioria é contra o novo governo ucraniano, anti-Rússia, que substituiu o deposto Viktor Yanukovich, aliado do presidente Vladimir Putin.

A Crimeia, vale sempre lembrar, é uma península autônoma pertencente à Ucrânia desde 1954, como parte da União Soviética. Após a independência ucraniana em 1991, continuou sob os poderes de Kiev, mas com alguma autonomia, como ter o próprio Parlamento.

E aí entra a questão cultural da disputa atual, sobretudo em Sebastopol. "O novo governo é extremista e quer acabar com a cultura russa", diz Andrey Sokolov, 38, que ontem levou mulher e os dois filhos, um de 8 e outro de 4, para passear às margens do mar Negro. "Por isso, apoiamos as tropas russas que estão aqui e nos sentimos protegidos."

A influência da estratégica frota naval russa na cidade faz ainda de Sebastopol o principal porto seguro dos russos na Crimeia. Moscou alugou o porto até 2042, ou seja, tem tempo e espaço de sobra para agir na região. "Aqui nos sentimos seguros. Veja ao redor, todos levando uma vida normal", diz Victor Musharowski, 52.

Sebastopol é o ponto chave do referendo que o novo governo provisório da península, pró-Putin, quer emplacar em breve sobre o futuro da região.

CAPITAL

Já em Simferopol, capital da península, apesar da também maioria russa, os ucranianos ainda exercem interferência política e cultural.

Por isso, por exemplo, as chamadas tropas não identificadas pró-Moscou adotaram táticas diferentes de ocupação nas duas cidades, após a queda do presidente Viktor Yanucovich, em Kiev.

Na capital da Crimeia, soldados encapuzados têm circulado e monitorado algumas ruas importantes –embora o clima seja tenso, mas sem pânico. Enquanto isso, em Sebastopol, até agora, a estratégia foi tomar pontos distantes dos civis, como a base aérea de Belbek, a poucos quilômetros dali, ampliando o apoio às dezenas de navios e milhares de soldados que permanecem na Frota para o mar Negro.

Diante do poderio de Moscou na cidade, as forças ucranianas optaram mais por retórica, ao invés de uma resposta efetiva. Precisam, no mínimo, do respaldo das potências ocidentais, antes de reagir.

Na terça-feira, aliás, protagonizaram uma cena constrangedora no meio militar: 300 soldados de Kiev marcharam em direção a forças pró-Rússia, em número muito menor, mas recuaram com os tiros ao alto disparados pelos aliados de Moscou.


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