Folha de S. Paulo


'Defendemos diálogo com os opositores na Venezuela', diz chanceler brasileiro

O chanceler Luiz Alberto Figueiredo defendeu que o presidente Nicolás Maduro abra o diálogo com a oposição e os manifestantes na Venezuela, onde os protestos estão gerando mortos e feridos.

"O presidente Maduro não precisa de recados", ressalvou Figueiredo, justamente quando mandava dois recados que haviam sido incluídos com excesso de cuidado na nota do Mercosul: o do diálogo e o da condenação à violência "de onde quer que venha" –ou seja, inclusive do governo.

Com cautela tipicamente diplomática, ele usou várias vezes a palavra "não" para se opor às críticas à política externa do governo Dilma Rousseff, mas reconheceu que o Itamaraty não decide a ida de Dilma a Washington, nem questões como médicos cubanos, extradição do foragido do mensalão Henrique Pizzolato e asilo para o ex-senador boliviano Roger Molina.

Ueslei Marcelino/Reuters
O chanceler Luiz Alberto Figueiredo
O chanceler Luiz Alberto Figueiredo

Há muitas críticas de que a política externa perdeu força de Lula para Dilma. Ela tem algum preconceito contra a política externa?
Absolutamente, muito pelo contrário. A presidente Dilma frequentemente discute comigo temas de política externa e está muito bem informada. Isso é um mito que se desenvolveu não sei como, já que o interesse da presidente é muito grande. Logo que tomei posse, ela me deu orientações usou uma frase dizendo que havia identificado que o Itamaraty estava fazendo muita diplomacia e pouca política externa.

Para o leigo, ela queria menos fru-fru e mais consequência?
Eu não poria assim. A mensagem que eu entendi foi menos reação e mais ação.

Um dos focos das críticas foi a sua ausência da reunião Genebra 2, sobre Síria. Por que o Brasil desdenhou a participação?
Não é verdade. Por que não fui? Porque não era uma reunião conclusiva, era uma primeira reunião, e a presença seria apenas simbólica. E a presidente pediu que eu ficasse no Brasil para a preparação dela a Davos, que foi um momento mais importante. Mas tenho mantido conversas com o facilitador na ONU, Lakhdar Brahimi.

A Rússia, que é dos Brics, tem tido posições bem particulares no caso da Síria, de [Edward] Snowden [delator da espionagem americana] e agora é o pivô na crise da Ucrânia. Como o Brasil vê essas posições russas?
A Rússia teve um papel fundamental ao conseguir obter uma solução para a destruição do arsenal químico sírio e, por ter uma posição firme no Conselho de Segurança da ONU, evitou também a possibilidade de uma intervenção armada numa hora em que isso agravaria o drama humanitário.

E a Rússia no caso da Ucrânia, já que é um país com um longo histórico de dominações?
Ucrânia era parte da União Soviética, a Rússia tem a base naval de Sebastopol na Crimeia e a Ucrânia tem uma importante população de origem étnica russa que ainda hoje fala russo. Então, é uma questão de complexidade internacional. Esperamos que o povo ucraniano chegue a uma solução. No mais, eu não posso especular.

O chefe do Legislativo do Irã, Ali Larijani, disse a parlamentares que o país quer reverter o declínio da relação com o Brasil. A aproximação foi no governo Lula e passou?
Recebi ontem [quarta-feira] um telefonema do senador [Eduardo] Suplicy [PT-SP], que me enviou um relatório sobre essa missão. Posso adiantar que não há um esfriamento das relações, de maneira nenhuma. Tive uma reunião em Nova York com o chanceler [Mohamad Javad] Zarif, que é um velho amigo de ONU, em que combinamos uma ida minha a Teerã. Só falta marcar a data, e não será uma visita apenas de cortesia, pois buscará resultados práticos inclusive na área de comércio e de investimento.

Por que o Brasil está mudo diante da crise na Venezuela?
Ao contrário. Não estamos mudos, nos manifestamos por três notas: do Mercosul, da Unasul e da Celac.

Todas em conjunto, mas o sr., por exemplo, não realmente se posicionou a respeito.
Não há necessidade. A presidente deu declarações em Bruxelas, eu dei quando o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido veio aqui e as três manifestações em bloco tornam a nossa mensagem bastante clara.

A nota do Mercosul não foi alvo de críticas por manifestar apoio excessivo ao Maduro?
Não é verdade. A nota do Mercosul foi mal compreendida e até cito aqui um trecho que diz que os países "repudiam todo tipo de violência e intolerância [...], qualquer que seja a origem". Isso não me parece que seja, como li em algumas partes, responsabilizar os manifestantes pela violência. O que diz o Mercosul é que "qualquer que seja a origem", a violência é condenada e repudiada. E o parágrafo seguinte insta as partes ao diálogo.

Então a nota foi uma crítica e um recado ao Maduro?
O presidente Maduro não precisa de recados. Isso não é um recado, é uma reafirmação do Mercosul quanto à importância de que todas as questões sejam tratadas dentro de um marco democrático. Ninguém diz que há uma culpa específica. Aliás, nós lemos que agentes do Estado estão sendo presos na Venezuela, acusados de mortes de manifestantes.

Mas nós também lemos que um legítimo líder de oposição foi preso e isso não está no Protocolo de Ushuaia.
Sim, isso é verdade, mas não me cabe comentar uma ordem judicial dada em outro país. É um princípio basilar da política externa brasileira a não interferência em assuntos internos.

Isso não virou coisa do passado depois que o governo Lula apoiou abertamente candidatos em países vizinhos?
Isso não é verdade.

A Venezuela e os EUA expulsaram reciprocamente seus diplomatas. Com Lula, o Brasil atuava meio como mediador, e agora?
O Brasil atuava e atua, mas não necessariamente abertamente. Muitas coisas se obtêm em diplomacia sem que elas cheguem a público, até porque, se chegarem, não terão resultado.

É por isso que o chanceler venezuelano decidiu vir para uma conversa olho no olho?
Ele pediu para vir para explicar a situação interna e as medidas que o governo vem tomando para a facilitação do diálogo político no país. O Brasil defende esse diálogo.

O Brasil integra dois conjuntos fragilizados, o Mercosul e os emergentes.
Não acho que os emergentes estejam num momento ruim...

E os cinco frágeis?
Houve uma avaliação precipitada, com critérios que foram questionados por economistas importantes.

Por que os sucessivos adiamentos da cúpula do Mercosul e, até agora, nada?
Por várias razões. A presidente Cristina Kirchner [Argentina] passou por intervenção cirúrgica e depois foi difícil compatibilizar as agendas de cinco presidentes. Não significa que o Mercosul esteja parado, ao contrário. A dinâmica é muito intensa.

Por que a presidente Dilma cancelou a ida a Bruxelas e depois voltou atrás?
É simples. A presidente queria ir com resultados palpáveis, não para uma reunião de mera cordialidade. Quando viu que, de fato, era possível dizer aos europeus que estávamos muito próximos de um acordo Mercosul-UE, ela confirmou a ida.

A Argentina, por não concluir sua lista de ofertas, é que estava atrasando o cronograma?
A Argentina tem sido extremamente partícipe do processo.

Não é o que os empresários e agropecuaristas dizem.
Eles não estão sentados nas negociações, nós estamos. Nós, do Mercosul, estamos numa fase de compatibilização das ofertas, vamos fazer reunião dia 7 em Montevidéu, e estou plenamente convencido de que estará tudo pronto no fim de março.

O que vai ocorrer com o senador boliviano Roger Molina, asilado no Brasil?
O Conare está examinando o caso e eu acompanho com interesse, mas vamos ver.

Como vota o Itamaraty no Conare?
Não tenho o processo em mãos e seria inconveniente emitir um juízo de valor.

E as investigações sobre o embaixador Marcel Biato e o ministro Eduardo Sabóia?
Não há inquérito em relação ao embaixador Biato. Há um procedimento em curso e qualquer coisa que eu diga será interpretada como interferência do ministro. Tenho como ponto de honra não me imiscuir nisso.

Qual o papel do Itamaraty no caso Pizzolato?
Ao Itamaraty cabe encaminhar o pedido de extradição às autoridades italianas, coisa que já fizemos.

E no caso dos médicos cubanos, que envolve Brasil, Cuba e os EUA, que concederam visto para pelo menos um deles?
Eu não comento a concessão de vistos, porque isso é um direito soberano do país.

Logo, Pizzolato e médicos cubanos fogem da alçada do Itamaraty, são do Planalto?
Não são do Planalto e não se trata de problemas internacionais. Uma é do Judiciário e a outra é da Saúde.

Depois do discurso do Obama e da sua ida ao Departamento de Estado, o que falta para a presidente Dilma ir aos EUA?
Não comentarei tratativas sobre esse tema. A presidente tratou do assunto [do monitoramento] com o presidente Obama e na ONU, enquanto estamos tomando iniciativas, como a resolução da Assembleia Geral da ONU, feita pelo Brasil e pela Alemanha, sobre o direito à privacidade na era digital. E vamos ter, em abril, em São Paulo, uma conferência multissetorial, com governos, empresas e representantes de vários setores, sobre a governança na internet.

Pelo microblog Twitter, o Planalto disse que o discurso do Obama agradou, mas não agradou muito. Concorda?
Não me cabe concordar ou discordar de uma avaliação da presidente.

Por que o Brasil não concede asilo ao Snowden?
Nunca foi pedido esse asilo. Houve uma circular de uma ONG para vários países pedindo asilo para ele. Não dissemos não. Nem sequer sabíamos se o pedido da ONG partia dele.

Então, por que o sr. disse à embaixada americana que o Brasil não concederia o asilo?
Numa conversa com a embaixadora [Liliana Ayalde], o assunto surgiu e eu disse: "Olha, o caso não se coloca. Não tivemos nenhum pedido de asilo e, portanto, não vamos considerar".

O Brasil tem condições de pagar em torno de R$ 55 mil por mês de aluguel só para um dos dois embaixadores em Nova York? E para quê?
A residência do embaixador em Nova York é um próprio nacional e a do embaixador alterno, essa sim, é alugada pelo Estado brasileiro e não tem nada de suntuoso. Porém, os preços em Nova York são muito salgados.

E por que o embaixador alterno tem de ser vizinho de grande fortunas, como Bono Vox e Woody Allen?
O embaixador alterno teve dificuldade em encontrar um imóvel perto da ONU, porque eram muito caros, e foi para o outro lado da cidade. Lá, as celebridades moram na ilha inteira. Então, ter alguém famoso que more perto de onde você mora não é nada demais. Quando jovem, morei lá num apartamento modesto de dois quartos e quem morava no mesmo prédio era o Anthony Quinn.


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