Folha de S. Paulo


Análise: É improvável EUA e Europa irem além da retórica se houver conflito

A reação russa à crise ucraniana guarda similaridades notáveis com o mais recente conflito entre Moscou e um ex-satélite soviético, a curta guerra na Geórgia, em 2008.

Mas há diferenças importantes, que só dão tons mais sombrios ao cenário atual. Alguns pontos em comum:

1. Um antigo Estado soviético tenta sair da zona de influência russa e gravitar para a esfera ocidental.

2. Há uma significativa minoria étnica russa em seu território contrária a esse movimento e um embate entre ela e o governo central.

3. Moscou lembra esses cidadãos de que eles têm direito a passaporte russo, sob a lei que garante isso a qualquer pessoa de um país que já foi da União Soviética.

4. A Rússia faz grandes exercícios militares para asseverar seu poderio na região enquanto enfrenta o desafio do vizinho menor.

As diferenças centrais:

1. A Ucrânia é um gigante relativo de 45 milhões de habitantes e tem um Exército razoavelmente equipado. A pequena Geórgia tem 5 milhões de habitantes.

2. Embora também seja rota de gasodutos e tenha posição estratégica, a Geórgia não tem o mesmo peso geopolítico e econômico da Ucrânia. Boa parte da exportação russa de gás, motor da economia do país, passa por território ucraniano.

3. A Ucrânia cede a base de Sebastopol para a Frota do Mar Negro da Rússia. É a porta de saída para o Mediterrâneo e o Atlântico. A presença do Kremlin remonta ao século 18 e não vai desaparecer voluntariamente.

4. Em 2008, o governo georgiano era radicalmente contrário a Moscou e detonou uma guerra ao tentar recuperar a região étnica russa da Ossétia do Sul –só para perder de vez o controle sobre ela e a Abkházia.

Na Ucrânia de 2014, o governo pró-Moscou foi derrubado, mas ainda está incerto o curso dos eventos e quem de fato manda no país.

Em agosto de 2008, a Geórgia foi abandonada por seus aliados ocidentais; significativamente, na capital, Tbilisi, há uma avenida George W. Bush, mas quase toda cidadezinha do interior tem sua rua Stalin (o ditador soviético era georgiano).

É uma incógnita qual o grau de comprometimento que a União Europeia apresentará aos políticos ucranianos pró-Ocidente. Historicamente, o bloco não tem apetite nem musculatura para disputas tão duras e contra um adversário militarmente mais forte como Moscou.

Em caso de um conflito aberto, parece então improvável que os europeus façam mais do que reclamar e congelar contas, até porque não podem prescindir do gás russo para aquecer suas casas.

Os EUA também tendem a ficar na retórica –até porque qualquer erro de cálculo poderia colocar Washington e Moscou em rota de colisão militar, o que por motivos de apocalipse é impensável.


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