Folha de S. Paulo


Milícias fazem cerco contra cartel no México

Ao escutar o ruído de helicópteros e de carros acelerando rumo às saídas da cidade, os habitantes de Apatzingán sabiam que o sábado passado não seria um dia normal.

Enquanto a cidade despertava, integrantes das milícias de "autodefesa", com camisas brancas e rosto tapado, tomaram as ruas da cidade e fecharam seus acessos. Logo passaram a revistar quem entrava e saía. "Hoje o mundo será testemunha de nossa libertação", dizia a mensagem veiculada no Twitter.

Ontem, a polícia local anunciou a prisão de 14 suspeitos de tráfico na região.

Editoria de Arte/Folhapress

Quarta maior cidade (80 mil habitantes) do Estado de Michoacán, Apatzingán é um centro de trânsito de bens agrícolas, escoados pelo porto Lázaro Cárdenas, no Pacífico. É conhecida, ainda, pelos laboratórios de metanfetaminas de suas montanhas.

Desde a decadência dos cartéis colombianos nos anos 1990, o México se tornou polo de atuação do tráfico, além de servir de passagem de drogas da América Latina para consumo nos EUA.

TEMPLÁRIOS

Há alguns anos, a região de Michoacán caiu nas mãos dos Cavaleiros Templários, cartel que se define como uma ordem cristã mística que diz lutar para libertar o povo dos desmandos do Exército.

"É mentira, o que eles fazem é nos extorquir, levam nossas mulheres e as devolvem grávidas. Cobram imposto sobre tudo que se produz ou vende em Michoacán", diz à Folha Fabián Mesa, comerciante de Tepalcatepec, cidade vizinha a Apatzingán.

Muitos comerciantes fecharam suas portas por tempo indefinido. Os ouvidos pela Folha dizem que os Templários cobram até 10% do que ganham. Escolas da região também estão fechadas, e há 80 mil alunos sem aulas.

O Exército não consegue conter o avanço criminoso. A população acusa a polícia de estar "vendida" ao cartel. "Exército e polícia não podem atuar aqui porque os governos regionais aliam-se aos cartéis. Em Michoacán isso chegou a um extremo, mas é igual em outros Estados", diz o jornalista Juan Méndez, que atua na imprensa local.

MILÍCIAS

Há cerca de um ano, pequenos empresários rurais e trabalhadores da região decidiram tentar conter a onda de extorsões e sequestros -que atinge também turistas, como o francês Harry Devert, que ia de moto dos EUA ao Brasil e desapareceu na região duas semanas atrás.

Os habitantes locais se organizaram para formar milícias civis. As "autodefesas" retomaram mais de 20 municípios controlados pelos "narcos". "Vamos até a morte, até que se vá o último 'templário'", diz Estanislao Beltran, líder de um setor da milícia em Tepalcatepec.

Os indígenas da chamada Nação Purépecha, de 200 mil habitantes, também armaram trincheiras e estabeleceram postos de vigia. "Aqui não entra nem narco nem Exército", diz Juan Rincón, habitante de Zacán, onde foram encontradas na última quarta quatro cabeças de membros da comunidade. "É uma provocação. Mas os purépechas resistiram aos astecas e não será agora que nos derrubarão."

Os indígenas dizem que há membros de um cartel rival dos Templários no Exército.

O presidente Enrique Peña Nieto esteve em Michoacán na semana passada. Anunciou um plano de infraestrutura e referendou o acordo feito entre o governo e as "autodefesas" que prevê sua integração às chamadas "guardas rurais" do Exército.

Armando Solis/Xinhua
Milicianos de uma das 'autodefensas' que atuam em Michoacán fazem cerco em acesso à cidade de Apatzigán
Milicianos de uma das 'autodefensas' que atuam em Michoacán fazem cerco em acesso à cidade de Apatzigán

'TEATRINHO'

A oposição alertou para o significado de legalizar as guerrilhas. Órgãos internacionais também. A ONG Insight Crime disse que "na Colômbia, na Guatemala e no Peru, a legalização dos grupos não trouxe resultados".
Peña Nieto insiste que a guerrilha atuará sob controle do Exército. Mas os próprios "autodefesas" discordam: "O que fizemos foi um 'teatrinho', vamos registrar umas 'pistolinhas' e fingir que estamos sob controle. Mas vamos agir como achamos certo para livrar Michoacán dos Templários", disse José Manuel Mireles, líder das "autodefesas", ao "El País".

A credibilidade do governo está abalada. Conversar com comerciantes e transeuntes deixa claro. Ou mesmo ligar a TV, que traz entrevistas com líderes "narcos".

Conhecido como "La Tuta", um dos chefes dos Templários aparece andando na rua. Depois, fala com um repórter. Como no estereótipo vigente, leva, na mão, um copo de uísque, e, nos bolsos, uma pistola e um punhado de dólares. "Isso aqui é um negócio, nada mais", sorri.

A tensão em Michoacán inseriu o debate sobre a legalização das drogas na agenda política mexicana. Nas eleições de 2012, o assunto foi evitado, até que movimento de estudantes confrontou os candidatos.

Na imprensa da Cidade do México, é possível hoje ler artigos defendendo uma diferença de postura, apontando o Uruguai (que legalizou a maconha) como um exemplo.

A capa da revista de celebridades "Quién" de fevereiro trazia artistas e intelectuais, como o cineasta Guillermo Arriaga, pedindo uma discussão sobre o tema.

Segundo estimativas de grupos de direitos humanos, desde 2006 já morreram mais de 100 mil pessoas na guerra entre cartéis e o Exército. A violência se intensificou após o governo de Felipe Calderón (PAN, 2006-12) decidir combater belicamente a expansão do crime organizado.


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