Folha de S. Paulo


Judeus haredi aderem à vida secular em Israel

Geula Cohen, 24, atende hoje pelo apelido "Gali". "É mais moderno", diz à Folha, em um refeitório da Universidade Hebraica de Jerusalém.

O nome bíblico "Geula" já combinou com essa psicóloga, enquanto fazia parte da comunidade judaica ultraortodoxa –não mais.

Há quatro anos, ela abandonou as vestes pretas e as regras religiosas para fazer parte da população secular de Israel.

São poucos os que, como Cohen, deixam de ser haredi (ultraortodoxos), aceitando o desafio de reaprender a viver em sociedade após terem crescido em comunidades fechadas e isoladas, obrigados a manter contato apenas com membros de seu grupo.

Demétrius Daffara/Editoria de Arte/Folhapress

"Quando eu tinha 12 anos, deixei de acreditar em Deus", diz. "Foi um processo longo até sair de casa, aos 20 anos."

Cohen teve ajuda, nesse processo, de uma instituição sem fins lucrativos chamada Hillel, que lhe pagou os estudos e lhe disponibilizou um tutor durante todo o tempo de transição.

A psicóloga mora, hoje, em um apartamento dessa organização enquanto procura emprego.

O estudante Ori Bechel, 20, afirma que a ajuda lhe foi essencial para "sobreviver no mundo secular". "Sou como um imigrante. É tudo muito diferente do que eu vivia."

As mudanças que ele enumera, incluindo o aprendizado do currículo escolar, passam também pelos detalhes cotidianos, como cortar as tradicionais mechas longas de seu cabelo ou deixar de vestir-se apenas de preto.

A comunidade haredi, concentrada nos bairros religiosos de Jerusalém, é notável por seu isolamento e por sua força política, enquanto seus membros são isentos do serviço militar em troca de seus estudos religiosos.

Há controvérsia quanto ao número de ultraortodoxos em Israel, mas estima-se que sejam 700 mil –em geral, reconhecidos pela crença na importância de um vestuário modesto como forma de expressar a sua religiosidade.

"Eu era forçado a manter muitas regras, e o mundo religioso me sufocava. Decidi que esta é a minha vida e que eu tinha de escolher o que fazer com ela", diz Bechel.

Mas a decisão, para os ex-haredi, tem alto custo pessoal. Cohen se lembra do choque do pai ao vê-la vestindo calças em vez da exigida saia. Bechel passou meses sem falar com os pais e mora com a avó, também secular.

RIGIDEZ

A adaptação à realidade secular, em que mesmo os papéis de gênero têm outro significado, é mais suave entre aqueles que deixam o âmbito religioso quando jovens, como Cohen e Bechel.

O instituto Hillel lhes paga o curso preparatório e a universidade.

Costuma ser mais traumático, porém, o caminho de jovens como Mirel Mark, 32, que deixou para trás a comunidade satmar, tida como rígida mesmo entre os haredi.

Os satmar, contrários à existência de Israel, não conversam no idioma hebraico. Até decidir abandonar a sua casa, aos 30 anos, Mark conhecia apenas o íidiche.

Com 12 irmãos, casada aos 19 anos e mãe de uma filha, ela lutou contra sua comunidade até conseguir secularizar-se. "Quando souberam que eu queria me divorciar, os religiosos passaram a me perseguir e a me molestar. Me ofereceram dinheiro para eu não levar a minha filha."

Demitida de seu trabalho por não ser religiosa o suficiente, hoje ela cuida de um casal de idosos aos finais de semana enquanto aprende o hebraico –e também como vestir-se ou ir até o banco.

"Estou feliz. É um sonho quando acordo de manhã, mesmo não sendo fácil."

EUFORIA

"Quando você decide ser secular, você sente uma grande euforia", diz Bechel. "Você pode fazer tudo o que quiser, e não há todas aquelas regras. Mas, então, você enfrenta coisas que nunca enfrentou antes e vê que a vida não está sob controle."

"Eu me sentia muito culpado por ter abandonado os mais pais", afirma o rapaz.

Para Susy Groszman, do grupo Hillel, a consciência costuma pesar nos primeiros anos de vida secular. "Os que deixam de ser haredi são, em geral, jovens fortes e íntegros, dispostos a lutar."

O Hillel (www.hillel.org.il), fundado em 1992, ajuda hoje 350 pessoas. Não há financiamento do governo. Os serviços incluem acompanhamento psicológico, acesso a bibliotecas e bolsas de estudo, além de apoio legal.


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