Folha de S. Paulo


Análise: Cresce risco de que a indústria da erva atue como a do tabaco

As pessoas que realizaram um dos sonhos dos hippies não se parecem em nada com eles. Em lugar de camisetas tingidas à mão, os líderes da campanha que legalizou o uso recreativo da maconha no Colorado apareceram vestindo ternos escuros e gravatas para celebrar as primeiras vendas legais da droga.

Em lugar de falarem sobre a contracultura, eles falam de regulamentação, impostos e responsabilidade empresarial. A planta se tornou uma indústria legítima, com representantes formais, grupos de interesses e lobistas.

Para o médico Kevin Sabet, do Smart Approaches to Marijuana, que combate a legalização, as cenas comemorativas em Denver provam que uma campanha de manipulação semelhante às que a indústria do tabaco costumava realizar saiu vitoriosa.

Ele diz que muitos americanos não estão conscientes de que a maconha pode causar danos de longo prazo à saúde dos usuários, especialmente os mais jovens, e que a Associação Médica Americana se opõe à legalização.

"É como se as grandes do tabaco estivessem de volta", diz Sabet, que dirige o Instituto de Política de Drogas no Departamento de Psiquiatria da Universidade da Flórida.

Para o médico, o que 40 anos atrás era um movimento minoritário evoluiu e se tornou uma rede eficiente e bem financiada. E a indústria da maconha, argumenta, compreende uma vasta coalizão de lobistas e patrocinadores bilionários como George Soros e Peter Lewis (morto no final do ano passado).

Em 2013, as vendas de maconha medicinal legal foram estimadas em US$ 1,43 bi nos EUA, e o total deve crescer exponencialmente com a maconha recreativa legalizada.
Os ativistas afirmam que refinar suas ações foi um passo natural. Militantes atribuem o ímpeto pela descriminalização ao reconhecimento, por parte do público, de que a proibição se provou um fiasco. E dizem que as forças pró-legalização contam com recursos escassos.

Para Mark Kleiman, especialista em legalização de drogas na Universidade da Califórnia em Los Angeles, a indústria da maconha não forma uma frente unida e não deveria ser vista como uma força de lobby unificada.

Muitos dos que têm licenças para vender maconha medicinal, por exemplo, podem perder muito com a legalização do uso recreativo da erva, que expandiria a concorrência e deprimiria os preços.

Em contraste com grupos de lobby setoriais motivados pelo lucro, diz Kleiman, os esforços para legalizar a maconha até o momento foram liderados por grupos de ativistas e por financiadores como Soros, que não devem ter grande benefício financeiro.

"Não são pessoas que vivam primordialmente da maconha e que estejam pressionando por leis que sirvam aos seus interesses setoriais".

Isso deve mudar, diz ele, quando a legalização se expandir e o dinheiro envolvido crescer. "Teremos em dez anos um lobby malévolo da maconha, dedicado a impedir qualquer regulamentação ou tributação? Com certeza. Mas não é a realidade do momento", afirma Kleiman.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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