Folha de S. Paulo


Brasileira morta no Líbano é enterrada em cerimônia pública

Os postes e os fios de eletricidade no vilarejo de Majdal Silem estão decorados com bandeirolas e fotografias daqueles que a população local considera "mártires" –mortos em conflitos com Israel ou embates sectários.

A nova estrela nessa constelação sombria é a brasileira Malak Zahwe, 17 anos, vítima de um atentado terrorista em Beirute na quinta-feira (2).

A reportagem da Folha acompanhou nesta sexta-feira o enterro da garota, cujo caixão foi flanqueado por centenas de presentes, incluindo autoridades religiosas e políticas.

Bandeiras do Hizbullah, partido e milícia xiita que domina a região, no sul do Líbano, próxima à fronteira de Israel, eram visíveis.

Um cântico acompanhava o cortejo, vindo de um minarete próximo, com trechos do livro sagrado do islamismo.

O corpo havia sido trazido pela manhã da capital, cenário do ataque terrorista, para juntar-se à família na cidade montanhosa do sul libanês.

No momento do atentado, Malak comprava roupas com sua madrasta na região de Haret Hreik, considerada um reduto seguro para o Hizbullah, nas imediações de seu canal de televisão, Al-Manar.

De acordo com familiares, seu corpo foi encontrada vestindo uma das peças que provava no momento do atentado, ainda com a etiqueta.

Malak e sua madrasta, a libanesa Iman Hijazi, foram vítimas de um carro-bomba que deixou outros três mortos.

Na semana passada, outro artefato deixou sete mortos e mais de 50 feridos na capital libanesa. Entre as vítimas estava Mohammad Chatah, ex-ministro e um desafeto público do Hizbullah.

DESCRENÇA

Malak nasceu em Foz do Iguaçu, enquanto seu pai, libanês, atuava no Paraná como comerciante, importando bens do Paraguai. Sua família faz parte do ramo xiita do islamismo. Por volta dos 14 anos, a adolescente se mudou para o Líbano, onde cursava o ensino médio.

Amigas de infância ouvidas pela reportagem durante o funeral afirmam que, estudiosa, Malak era disputada na escola para fazer trabalhos em grupo. "Todo o mundo queria ser amigo dela", nas palavras da paranaense Karima Jebai, 17.

Diversas das colegas que estudavam com Malak no Brasil, também de origem libanesa, estavam nesta semana no país quando ouviram as notícias do atentado. Inconformadas, viajaram a Majdal Silem para o enterro.

As amigas de Malak a descrevem como "fiel", "calma" e "religiosa". "Tinha muita fé em Deus", diz Jebai.

O atentado terrorista de quinta (2) teve nelas um efeito severo. "Quando a vítima é alguém da família, você passa a ter mais medo", afirma a prima Fátima Hijazi, 18.

Os pais de Malak, que compareceram ao enterro, são divorciados. Em choque, eles não falaram à imprensa.

O pai da jovem havia se casado há cerca de cinco meses com a madrasta da garota –suas fotos enfeitavam os para-brisas dos carros estacionados nesta sexta nos arredores do cemitério.

"Minha família quer que eu volte para o Brasil", diz Abir Hijazi, 17, que foi vizinha de Malak no Brasil. "Eles me dizem que, se for para voltarmos para Beirute, vai ser só para pegar o avião."

RESPINGO

Os atentados terroristas têm sido interpretados no Líbano como respingos do sangue derramado na vizinha Síria, em especial depois de o Hizbullah enviar guerreiros para defender o ditador sírio, Bashar al-Assad.

Assim como o ataque da semana passada vitimou o ex-ministro Chatah, que criticava publicamente a facção xiita, a explosão de quinta-feira passada chamuscou um dos bairros seguros do Hizbullah, em uma grave violação do que se pensava ser uma região impenetrável.

"Mas os inocentes sempre serão inocentes", diz à Folha Muhammad Hijaz, presidente da Sociedade Beneficente Islâmica de Foz do Iguaçu. Amigo da família, ele compareceu ao enterro de Malak.

"Aqueles que financiam o terrorismo estão trazendo para o Líbano o que está acontecendo na Síria", afirma.

Há uma forte ligação entre Foz do Iguaçu e a região de Majdal Silem. Segundo Hijaz, são cerca de 300 brasileiros nos entornos da vila –que, na guerra entre Hizbullah e Israel, em 2006, já havia sido vítima da violência regional.

Existe também um laço entre o local e a facção Hizbullah. Há bandeiras dessa organização por toda a cidade, localizada em uma região sob sua influência.

A poucos minutos dali, dois foguetes tipo Katyusha, característicos do conflito com Israel, servem de monumento na estrada.

TRÂNSITO

Além dos atentados que vitimaram Malak, nesta semana, e o ex-ministro Chatah, na semana passada, o país se recupera de um grande ataque de novembro passado, quando ao menos 23 foram mortos diante da embaixada iraniana em Beirute.

O Exército libanês afirmou nesta sexta que o exame de DNA de um homem sob custódia confirmou que ele é o suspeito líder do grupo terrorista por trás do atentado à embaixada do Irã. O saudita Majid al-Majid, líder das brigadas Abdullah Azzam, também seria responsável por outros ataques na região.

Apesar dos recentes incidentes, o Líbano não se parece com sua própria imagem entre os anos 1970 e 1990, quando viveu uma violenta guerra civil.

Nesta sexta, Beirute seguia em ritmo regular, com algumas ruas fechadas não pela ameaça de bombas, mas pelo movimento costumeiro de seu tráfego pesado.


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