Folha de S. Paulo


Muçulmana relata ataques de autoridades israelenses contra sua família

Venho de um vilarejo ocupado, perto de Beer Sheva, tomado em 1948. Meus filhos nasceram aqui, na caverna. É um modo de vida beduíno. Nós vivemos com as ovelhas.

Mudei para cá com meu marido em 1968. Os colonos israelenses tentam nos expulsar. Sofremos muito. Um dia, há cinco anos, eles vieram com seus jipes e destruíram tudo o que nós temos. Eu perdi meu azeite, eles levaram a comida das ovelhas.

No ano passado, estávamos plantando quando nos atacaram. Queimaram nossas videiras, mataram 50 de nossas ovelhas com seus rifles. Eu corria e gritava todo o tempo quando vi aquilo.

Fui reclamar no vilarejo vizinho de Qyriat Arba. Quiseram que eu assinasse um papel dizendo que sou uma causadora de distúrbios. Meus filhos foram presos. Tive de pagar [o equivalente a] R$ 3.500 para tirá-los da prisão.

Há uma torre de vigia aqui perto. Só posso ficar no vale. Se os colonos veem que eu saí, vêm tomar minha casa.

Toda vez que eles me veem, dizem que sou uma puta. Querem tomar a terra.

Tudo o que você vê aqui tem uma ordem de demolição. Não querem que a gente fique aqui. Mas eles, sim, podem ficar. Podem sair. Podem construir. Eu não. Pedi várias vezes ao governo para ter permissão, nunca me deram nada. Querem demolir até o nosso poço de água.

Joel Silva/Folhapress
A beduína Sarah Nawajah, 70, em sua caverna, ao sul de Hebron, Cisjordânia, onde vive junto com os animais
A beduína Sarah Nawajah, 70, em sua caverna, ao sul de Hebron, Cisjordânia, onde vive junto com os animais

PECADO

Temos dificuldade para trazer ambulâncias. Um dia, meu marido, que já morreu, teve ataque de asma, e o Exército não deixou a ambulância vir. Nós o pusemos em um burro para ir ao hospital.

Dois anos atrás, os israelenses vieram e atiraram um... como se diz? Coquetel molotov. Eles não sabem o que é "haram" [pecado].

Esta é a minha terra. Não quero que tomem de mim. Posso fazer azeite dessas oliveiras e viver disso. Tenho 70 anos. Por quanto tempo consigo lidar com essa situação?

Antes de eles destruírem a caverna, era muito bonito aqui. Nos sentávamos aqui no verão, era lindo. É muito fresco no verão e quente no inverno. Mas eles não querem que a gente viva aqui.

Eu moro na tenda, agora, durante o verão. No inverno, fica frio, então arrumo um canto e venho à caverna.

O governo palestino não pode fazer nada. Nem podem vir até aqui.

SAGRADO

Eu acordo de manhã, rezo, sirvo o café da manhã para as ovelhas e começo o meu dia com os animais. Depois, levo eles para os campos, limpo minha casa e cozinho.

Na temporada, faço manteiga e iogurte do leite das ovelhas. Também planto trigo. Então temos as colheitas.

Na primavera, às vezes a colheita não é boa, então tenho de alimentar os burros com as azeitonas colhidas.

Nossa terra é valiosa. Não vamos entregar aos judeus. Só saio daqui quando morrer. Estou feliz, e só consigo dormir quando estou aqui.

Vou ficar feliz, também, quando todos os colonos forem embora. São monstros.

Uma vez, bati em um soldado. Ele veio nos dizer para sair. Eu atirei um sapato de plástico na cabeça dele. Eles estavam me empurrando!

Fui para a cidade sagrada de Meca duas vezes, por isso me chamam de "hajja [peregrina] Sarah". Mas aqui, esta terra, também é sagrada.


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