Folha de S. Paulo


Papa afasta cardeal americano conservador de comitê

O papa Francisco afastou de um comitê poderoso do Vaticano um cardeal americano conservador que é crítico declarado do aborto e do casamento gay, substituindo-o por outro americano menos identificado com as guerras culturais internas da Igreja Católica.

A decisão do papa de afastar o cardeal Raymond Burke da Congregação para os Bispos foi interpretada por especialistas na Igreja como sinal de que Francisco está disposto a perturbar o establishment do Vaticano para ser mais inclusivo.

Mesmo assim, muitos veem a iniciativa não tanto como esforço para mudar a doutrina sobre questões sociais específicas quanto uma tentativa de imprimir coerência pastoral e de estilo à liderança da igreja.

"O papa está dizendo que não é preciso ser conservador para tornar-se bispo", disse Alberto Melloni, diretor da Fundação João XXIII de Estudos Religiosos, de Bolonha, Itália, um instituto de pesquisas católico liberal. "Ele quer bons bispos, não importa quão liberais ou conservadores eles sejam."

Burke, que chegou ao Vaticano em 2008, depois de atuar como arcebispo de St. Louis, é favorito de muitos católicos conservadores americanos, graças à sua defesa dos ritos e tradições da igreja favorecidos pelo papa Bento 16. Mas a predileção de Burke pela longa veste de seda vermelha conhecida como "cappa magna", além de outras semelhantes, o leva a parecer fora de sintonia com Francisco, que deixa claro por seu próprio exemplo que prefere vestes mais simples.

Desde que foi eleito papa, em março, Francisco vem recebendo cobertura altamente favorável da imprensa e a aprovação generalizada dos fiéis, por conferir um rosto mais gentil e inclusive a uma instituição global que era largamente vista como estando fora de sintonia com as realidades atuais. O papa já manifestou a intenção de reformar e reorganizar a Cúria romana, a estrutura burocrática que administra a igreja.

Burke ainda é o prefeito do mais alto tribunal canônico do Vaticano, mas analistas dizem que seu afastamento da Congregação para os Bispos vai reduzir fortemente sua influência, especialmente sobre mudanças de pessoal nas igrejas americanas.

"A Congregação para os Bispos é a mais importante do Vaticano", disse o padre jesuíta Thomas J. Reese, autor de "Inside the Vatican: The Politics and Organization of the Catholic Church". "Ela decide quem serão os bispos em todo o mundo. É isso o que tem o impacto mais direto sobre a vida da igreja local."

O papa Francisco escolheu para o lugar de Burke o cardeal Donald Wuerl, de Washington, um moderado ideológico que possui conhecimento profundo do Vaticano, mas também tem experiência pastoral. Reese observou que Burke foi líder dos bispos americanos que defendem a proibição da comunhão para os políticos católicos que apoiam o direito ao aborto. Enquanto isso, Wuerl teria adotado a posição contrária.

O papa também afastou da Congregação para os Bispos o cardeal Justin Rigali, ex-arcebispo de Filadélfia. Desde seu posto no comitê, Rigali foi durante muito tempo um ator crucial na formação da hierarquia da Igreja nos Estados Unidos. Ele renunciou ao cargo de arcebispo de Filadélfia em meio a um escândalo em torno do tratamento que ele deu aos casos de abusos cometidos por padres na região.

E Francisco confirmou a inclusão na Congregação do cardeal William Levada, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Como Wuerl, Levada é considerado um moderado.

Algumas indicações recentes vêm desanimando os liberais na igreja, especialmente a decisão do papa, em outubro, de aprovar o reverendo Leonard Blair como arcebispo de Hartford. Blair teve papel central numa investigação doutrinal que repreendeu um grupo de freiras americanas vistas como tendo se afastado dos ensinamentos da igreja.

Tradução de CLARA ALLAIN


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