Folha de S. Paulo


Ativista que já foi presa por plantar maconha critica lei que legaliza erva no Uruguai

A escritora e professora argentina Alicia Castilla, 69, foi presa em 2011, logo depois de se mudar para o Uruguai (após viver no Brasil por 30 anos), por cultivar maconha em casa.

Após 95 dias de prisão, virou símbolo do projeto que legaliza a droga no Uruguai. Tornou-se, contudo, uma das vozes contrárias à proposta do governo de José Mujica. Para ela, a lei fere direitos civis, e os usuários do país não tiveram demandas atendidas.

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As pessoas pensam que sou símbolo da causa e acham que eu deveria apoiar a lei, mas como posso apoiar algo que vai contra tudo o que penso? Não vou me registrar para fumar maconha.

Fumo maconha há uns 50 anos. Nos 30 anos que vivi no Brasil, subi muito ao morro para comprar. Fui presa em janeiro de 2011, pouco depois de me mudar para o Uruguai, por ter 29 plantas no quintal da minha casa. Fui denunciada e acabei passando 95 dias detida pela acusação de produzir matéria-prima para fabricar substância ilícita.

Mas continuarei na ilegalidade, como antes, correndo os mesmos riscos, plantando a minha maconha em casa. Não quero ficar atrelada à maconha: sou uma militante das liberdades individuais.

Lucaz Ferraz
A ativista argentina Alicia Castilla no jardim de sua casa, na praia de Fortín de Santa Rosa, em Atlantida, Uruguai
A ativista argentina Alicia Castilla no jardim de sua casa, na praia de Fortín de Santa Rosa, em Atlantida, Uruguai

Estou muito chateada com a aprovação dessa lei. A questão diz respeito aos limites do Estado na vida privada do indivíduo. Quem é o Estado para dizer a qualidade e a quantidade da maconha que devo fumar? Não é o seu papel. Ele deveria atender as funções ainda abandonadas, como educação, saúde e justiça.

'IDEIAS DELIRANTES'

A lei é no mínimo fascista. Lembra o nazismo, que registrava os judeus. Não é algo muito diferente registrar quem fuma maconha. Imagine se tivéssemos que registrar também o usuário de álcool ou quem é dependente de remédios? É uma espécie de fascismo progressista.

O argumento de que a regulação da maconha vai combater o narcotráfico também é mentiroso. A maconha que fumamos não é lucrativa para o narcotráfico, que lucra mesmo com o crack e a cocaína. São essas drogas que tornam o tráfico poderoso.

Após a minha prisão, o país discutiu dois projetos: um da oposição, que liberava o usuário para plantar a quantidade que quisesse, e outro apresentado pela Frente Ampla, coalizão do governo, que limitava a oito plantas por casa. Essas propostas eram mais razoáveis, e o Estado não teria papel tão intrusivo.

Mas esses projetos foram atropelados, e de repente sai o presidente anunciando esse projeto. A lei não tem o objetivo de despenalizar o uso da maconha.

O governo fez muita coisa sem sentido, que mostra arrogância e como eles não entendem nada sobre o tema.

Eles apresentaram ideias delirantes, como a proposta de controlar a maconha produzida pelo Estado colocando um chip nos baseados para evitar que eles saíssem do Uruguai.

Pela lei, será permitido plantar 480 gramas por ano, 40 gramas por mês. Mas, quando colhida, a planta perde umidade e o peso praticamente se reduz à metade. Como esse controle será feito? Antes ou depois da colheita? É algo absurdo e impossível de levar adiante.

A lei parece irreversível, mas há um grupo da oposição que afirma que vai contestar a legislação na Suprema Corte. Minha esperança é que ela seja considerada inconstitucional.

A regulamentação da maconha não foi proposta para atender às demandas dos usuários. A lei atende a interesses poderosos que não consigo identificar quais são. Estão tentando transformar a maconha em uma commodity. Muitos maconheiros são contrários a esse modelo.


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