Folha de S. Paulo


Maiores escritores do mundo dizem que vigilância de dados pessoais é roubo

Um total de 562 dos principais escritores do planeta, entre os quais cinco ganhadores do Prêmio Nobel, condenaram a escala da vigilância pelo Estado revelada pelas denúncias de Edward Snowden, e advertiram que as agências de espionagem estão solapando a democracia e precisam ser coibidas por uma nova convenção internacional.

Os signatários, que representam 81 países e incluem Margaret Atwood, Don DeLillo, Orhan Pamuk, Günter Grass e Arundhati Roy, afirmam que a capacidade das agências de inteligência para espionar as comunicações digitais de milhões de pessoas está fazendo de todos potenciais suspeitos, o que tem implicações preocupantes para a maneira pela qual as sociedades funcionam.

Eles instaram as Nações Unidas a criar uma carta internacional dos direitos digitais que serviria de norma para a proteção dos direitos civis na era da Internet.

Entre os brasileiros, estão Bernardo Carvalho, João Paulo Cuenca, João Ubaldo Ribeiro, Luiz Ruffato, Marcelo Backes, Marçal Aquino, Paulo Scott e Rafael Cardoso.

No início do mês passado, a revista alemã "Der Spiegel" publicou um manifesto de mais de 50 personalidades públicas do país que pede que o país conceda asilo ao americano Edward Snowden, o ex-agente da Agência Nacional de Segurança dos EUA que revelou o sistema de espionagem. Ele está asilado na Rússia.

O apelo surgiu um dia depois que os presidentes das maiores companhias mundiais de tecnologia exigiram mudanças abrangentes nas leis de vigilância, a fim de ajudar a preservar a confiança do público na Internet - o que reflete o crescente ímpeto mundial em favor de uma revisão detalhada quanto às capacidades de espionagem em escala maciça de países como os Estados Unidos e o Reino Unido, pioneiros nesse ramo de atividade.

A carta aberta ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pelos presidentes de empresas como a Apple, Google, Microsoft e Facebook, será acompanhada pela petição, que atraiu a adesão de uma lista notável dos escritores mais respeitados e mais lidos do planeta, que acusaram governos nacionais de abuso sistemático de seus poderes na conduta de operações intrusivas de vigilância em massa.

Julian Barnes, Martin Amis, Ian McEwan, Irvine Welsh, Hari Kunzru, Jeanette Winterson e Kazuo Ishiguro estão entre os autores britânicos que assinaram a petição.

Outros nomes incluem JM Coetzee, Yann Martel, Ariel Dorfman, Amit Chaudhuri, Roddy Doyle, Amos Oz, David Grossman e o russo Mikhail Shishkin.

Henning Mankell, Lionel Shriver, Hanif Kureishi e os autores australianos CK Stead, Thomas Keneally e Anna Funder são outros dos signatários mundialmente famosos.

A intervenção surgiu depois que o "Guardian" e algumas das outras grandes organizações mundiais de mídia, incluindo o "New York Times", "Washington Post" e a revista alemã "Der Spiegel", começaram a revelar detalhes sobre as dimensões e o alcance dos programas secretos de vigilância operados pelo Quartel-General de Comunicações do Governo (GCHQ), a organização britânica de espionagem eletrônica, e pela Agência Nacional de Segurança (NSA) norte-americana.

As revelações causaram um intenso debate sobre a estrutura legal e a fiscalização das operações de agências de espionagem ocidentais. Obama lançou uma revisão das operações de inteligência norte-americanas, e no começo deste mês, Ben Emmerson, o líder da força de combate ao terrorismo da ONY, anunciou uma investigação sobre as técnicas usadas pelas agências de inteligência britânicas e norte-americanas.

A declaração diz que a dimensão da vigilância revelada por Snowden é um desafio e uma forma de solapar o direito de todos os seres humanos a se manterem "não observados e despreocupados" em seus pensamentos, ambientes e comunicações pessoais. "Esse direito humano fundamental foi cancelado em função do abuso de desenvolvimentos tecnológicos, por governos e grandes empresas, para fins de vigilância em massa", o texto acrescenta.

"Uma pessoa sob vigilância já não é livre; uma sociedade sob vigilância já não é uma democracia. Para manter qualquer validade, nossos diretos democráticos precisam ser aplicados tanto no espaço virtual quanto no real".

Exigindo o direito de que "todas as pessoas possam determinar em que extensão será realizada a coleta, armazenagem e processamento legal de dados pessoais sobre elas", os escritores apelaram por uma convenção sobre os direitos digitais que os países devem adotar e respeitar. "Vigilância é roubo. Esses dados não são propriedade pública. Pertencem a nós.

Quando são usados para prever nosso comportamento, algo mais nos é roubado - o princípio da livre vontade crucial para a liberdade democrática".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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