Folha de S. Paulo


África do Sul se une em luto a Mandela, mas teme nova divisão racial

Os sul-africanos se uniram nesta sexta-feira na lembrança ao ex-presidente Nelson Mandela, que morreu na noite de quinta (5). No entanto, enquanto alguns celebravam a vida do líder negro com música e dança, outros temiam que sua morte deixe o país vulnerável a novas tensões raciais e sociais.

Mandela se tornou o símbolo mundial de reconciliação e coexistência pacífica ao conseguir que a nação se reunisse após o regime do apartheid. Apesar das garantias de líderes e autoridades de que vão seguir se distanciando do apartheid, alguns ainda mostram preocupação com a ausência de Mandela.

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"Não vai ser bom. Eu acho que vai se tornar um país mais racista", disse Sharon Qubeka, 28 anos, uma secretária da comunidade carente de Tembisa, que se dirigia ao trabalho em Johannesburgo. "Mandela era o único que mantinha as coisas unidas", disse.

Uma avalanche de tributos espalhou-se pelo mundo em homenagem a Mandela, que estava doente há quase um ano, vítima de uma enfermidade pulmonar recorrente, com a qual ele conviveu desde os tempos em que esteve em prisões, como a notória colônia penal de Robben Island.

No entanto, a perda do líder mais amado pelos sul-africanos ocorre no momento em que o país passa por crescentes conflitos trabalhistas, protestos contra serviços precários, pobreza, criminalidade, desemprego e escândalos de corrupção que atingem o governo de Zuma.

Com bandeiras a meio-mastro, a África do Sul entrou no seu período de luto pela morte de Nelson Mandela, aos 95 anos, já em meio aos preparativos para o funeral com honras de Estado, que devem durar 12 dias e começar na semana que vem.

"DEVASTADO"

Centenas de pessoas foram a cultos religiosos em homenagem ao primeiro presidente negro do país. Entre os participantes estava outro veterano da luta contra o apartheid, Desmond Tutu, ex-arcebispo da Cidade do Cabo. Ele disse que, como todos os seus compatriotas, estava "devastado" com a morte de Mandela.

"Vamos lhe dar o presente de uma África do Sul unida, uma só", disse Tutu ao celebrar missa na catedral anglicana de St. George, na Cidade do Cabo.

Mandela já tinha a saúde frágil há vários anos, e sua morte não chega a alterar a rotina econômica da África do Sul. A Bolsa de Johanesburgo, por exemplo, faria apenas uma pausa de cinco minutos, às 11h (7h em Brasília) de sexta-feira.

Mas o desaparecimento dele tem um impacto moral para a sociedade sul-africana, que enfrenta um período de inquietações.

Muitos consideram que a África do Sul atual --país mais rico do continente, mas também um dos mais desiguais do mundo-- continua distante de ser a "nação do arco-íris", com prosperidade comum e paz social, ideais defendidos por Mandela ao sair da prisão, em 1990, após 27 anos de confinamento.

"Eu sinto como se eu tivesse perdido meu pai, alguém que cuidava de mim. Como negro sem conexões você já sai em desvantagem", disse o segurança Joseph Nkosi, 36 anos, que vive em Alexandra, um subúrbio de Johanesburgo.

"Agora, sem Madiba [seu nome do clã], sinto que não tenho mais chance. Os ricos vão ficar mais ricos e simplesmente nos esquecerão. Os pobres não importam para eles. Olhe os nossos políticos, eles não têm nada a ver com Madiba."

Mas, contrariando esse discurso, Tutu buscou afastar a ideia de que a morte de Mandela poderá reacender fantasmas da violência vista no apartheid. "Sugerir que a África do Sul poderia se acender em chamas -como alguns previram- é desacreditar os sul-africanos e o legado de Madiba", disse.

"O sol vai nascer amanhã, e no dia seguinte e no outro...Pode não parecer tão brilhante quanto ontem, mas a vida vai continuar."


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