Folha de S. Paulo


Análise: Pacto deve alterar relações no Oriente Médio

Ainda é cedo para saber se o acordo nuclear selado em Genebra prenuncia uma fase nova na teia de relações entre o Ocidente, Irã, Israel e os árabes. Mas as reações iniciais sugerem que é um passo importante e que possui o potencial de mudar o status quo vigente há 30 anos.

Quando a notícia dramática chegou da Suíça, já era manhã em Teerã, Riad e Jerusalém, de modo que as primeiras horas do domingo ecoaram com o rugido de um deslocamento tectônico no Oriente Médio -e da corrida de vários governos para decidir qual seria sua resposta.

A hostilidade mútua entre Irã e EUA formou o pano de fundo do que aconteceu desde a grande ruptura de 1979, quando um ditador pró-americano foi deposto pela Revolução Islâmica, até a pior crise atual no Oriente Médio, a devastadora guerra na Síria.

Não foi por coincidência que o governo de Bashar al-Assad apressou-se a saudar o "acordo histórico". A Rússia, principal aliada e protetora de Assad, se saiu bem na negociação, reforçando-se como mediadora.

Assim, o acordo nuclear pode ajudar a desencadear algum movimento no impasse sírio, se Teerã e Moscou fizerem uso da influência que têm junto a Damasco. Isso pode facilitar a convocação da longamente adiada conferência Genebra 2, embora as perspectivas de uma resolução diplomática da guerra ainda sejam pequenas.

Não faltam motivos para aconselhar cautela. O acordo é interino, válido por seis meses, e a revogação das sanções é reversível. Enfrenta ameaças de setores de linha dura de Teerã e Washington. E ainda é difícil visualizar a frequentemente mencionada "grande barganha" entre esses velhos inimigos, entre outras razões porque restam muitas questões contenciosas que não foram tratadas.

Israel, desconfortavelmente isolado, já deixou clara sua posição; Binyamin Netanyahu qualificou o acordo de "erro histórico". Mas a realidade é que a capacidade de Israel de atacar instalações nucleares iranianas parece uma ameaça vazia, devido à capacidade limitada de sua força aérea e por motivos políticos.

Fora de Israel, o desconforto suscitado pelo acordo é mais evidente na Arábia Saudita e nos Estados menores do Golfo, que há muito tempo veem o Irã como ameaça e rival estratégico maior que Israel. As menções pejorativas a uma suposta aliança "sionista-wahabita" refletem esse fato. Como revelou o WikiLeaks, o rei Abdullah exortou Barack Obama a "cortar a cabeça da cobra [iraniana]". Em vez disso, o presidente americano fechou um acordo com ela. O silêncio de Riad no domingo foi eloquente.

A conclusão é que os EUA estão dispostos a agir com mais independência que nunca dos aliados tradicionais, Israel e os sauditas.

p (tagline). Tradução de CLARA ALLAIN


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