Folha de S. Paulo


Pouso na Lua poderia ter levado americanos e soviéticos

Se John F. Kennedy não tivesse sido morto em Dallas, a chegada do homem à Lua poderia ter tido uma tripulação composta por americanos e soviéticos. E talvez uma base lunar tripulada fosse construída nos anos 70.

Tudo isso pode soar um disparate, considerando que a própria eleição de Kennedy à Presidência dos EUA, em 1960, foi baseada na competição com a União Soviética pela supremacia no espaço.

Contudo, desde que chegou à Casa Branca, o presidente americano imaginou dois propósitos para o programa espacial americano: levar o país à liderança no setor e fazer uso da exploração do espaço como catalisador da redução das tensões da Guerra Fria.

Em janeiro de 1961, em seu primeiro discurso do Estado da União, Kennedy afirmou que esta pronto para cooperar com outros países, inclusive a União Soviética, no campo da exploração planetária.

"Ambas as nações se beneficiariam, assim como a outras nações, ao remover essas iniciativas da amarga e desperdiçadora competição da Guerra Fria", afirmou.

Embora o Projeto Apollo, que levou o homem à superfície lunar em 1969, tenha sido pensado justamente como meta de longo prazo que permitisse aos americanos bater os soviéticos, Kennedy jamais abandonou a ideia de promover a exploração conjunta da Lua.

Em maio de 1961, logo após anunciar o programa lunar nos EUA, Kennedy propôs a ideia a Nikita Kruschev. O líder soviético recusou. (Nada surpreendente, considerando que então a União Soviética estava bem à frente dos EUA na corrida espacial.)

IDEIA PERENE

Kennedy jamais desistiu da proposta. E a noção de que era preciso arrefecer a competição com a União Soviética ficou mais clara do que nunca depois da crise dos mísseis de Cuba, em 1962, que quase levou o mundo a uma guerra nuclear.

O presidente americano voltou a insistir em exploração lunar conjunta no ano seguinte. Em discurso à Assembléia-Geral da ONU, em 20 de setembro de 1963, seu discurso defendeu oportunidades de cooperação espacial e não deixou margem a dúvidas.

"Eu incluo nessas possibilidades uma expedição conjunta à Lua. (...) Certamente deveríamos explorar se cientistas e astronautas de nossos dois países com efeito de todo o mundo não podem trabalhar juntos na conquista do espaço, enviando algum dia nesta década à Lua não apenas representantes de uma única nação, mas representantes de todos os nossos países."

No território doméstico, a proposta não pegou bem, mas isso não impediu Kennedy de prosseguir com as tratativas e comandar a Nasa a pensar em maneiras de integrar esforços soviéticos e americanos no Projeto Apollo.

Contudo, em 22 de novembro, dois meses após o discurso na ONU, o assassinato do presidente levou o vice, Lyndon Johnson, a assumir o cargo. Com ele morreu qualquer perspectiva mais séria de cooperação internacional no Projeto Apollo.

CENÁRIO ALTERNATIVO

O que teria acontecido se Kennedy permanecesse vivo para se reeleger presidente em 1964 e implementar sua política de cooperação?

Em 1965, já estaria claro para a União Soviética que havia um empate técnico na corrida espacial, com vantagem americana no projeto lunar. Isso certamente motivaria os dois países --incertos do desfecho da competição-- a colaborarem.

Considerando que os americanos, por razões estratégicas, manteriam intactos os elementos do Projeto Apollo original (que permitiam pousos e estadia de poucos dias na Lua), restaria à União Soviética colaborar com o desenvolvimento de sistemas que aprofundassem a presença humana na Lua.

Com isso, além de termos expedições americano-soviéticas a partir de 1969, haveria recursos para o desenvolvimento de uma base lunar internacional permanentemente tripulada.

Em vez disso, acabamos com a estação soviética Mir e o laboratório americano Skylab, ambos em órbita terrestre, além de uma competição infrutífera pelo desenvolvimento dos ônibus espaciais americanos e soviéticos.

Quando a tripulação da Apollo-17, última missão lunar, em dezembro de 1972, retornava à Terra, foi contatada pelo presidente Richard Nixon (que havia perdido a eleição presidencial de 1960 para Kennedy e acabou eleito em 1968).

"Essa pode ter sido a última vez neste século em que homens andarão sobre a Lua", disse, irritando os próprios astronautas pelo tom pessimista, embora profético.

Desde aquela última missão, ninguém voltou a pisar os pés no empoeirado solo lunar.


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