Folha de S. Paulo


Nova Constituição domina eleição presidencial chilena

O Chile que vai às urnas neste domingo para eleger um novo presidente colocou na pauta da campanha eleitoral a discussão de uma importante herança da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990): a Constituição do país.

Oito dos nove candidatos que concorrem ao Palácio de La Moneda propõem a criação de uma Carta Magna para substituir a atual, que entrou em vigor em 1981, durante o regime militar. Só a candidata da coalizão de direita Aliança, Evelyn Matthei, não pleiteia a reforma constitucional.

Líder nas pesquisas de intenção de voto, a ex-presidente Michelle Bachelet, da centro-esquerdista Nova Maioria, já afirmou que é necessária uma Constituição "que reflita o Chile de hoje" e estabeleça uma nova relação entre o Estado e os cidadãos.

"A Constituição chilena teve reformas, mas continua sendo autoritária, neoliberal no sentido de que consagra um Estado débil e, até mesmo, racista, porque não reconhece a existência de povos nativos como os [índios] Mapuche", afirma à Folha o ex-ministro da Economia Carlos Ominami.

Ele é pai do presidenciável Marco Enríquez-Ominami e um dos defensores da nova Constituição.

Para o analista político Fernando García Naddaf, a reforma constitucional se impôs à reforma educacional, que surgiu com os protestos de 2011. "Hoje, há o reconhecimento de que essa Constituição foi imposta e que o Chile tem uma nova realidade, mas segue amarrado a algumas instituições."

Além do fato de ter sido concebida por uma ditadura, a atual Constituição apresenta dois problemas, segundo especialistas ouvidos pela reportagem: a manutenção do sistema eleitoral binominal e o chamado quórum supramajoritário de votação para mudanças da maioria das leis.

SISTEMA BINOMINAL

O sistema eleitoral binominal, usado na eleição de deputados e senadores, mantém a representatividade do Congresso entre as duas principais coalizões do país, a Concertação, de esquerda, e a Aliança, de direita, tornando muito difícil a entrada de algum partido menor.

Pelo mecanismo, as candidaturas são feitas em listas distritais, com dois candidatos para cada partido ou aliança com representatividade no Congresso, e um para legendas independentes.

Se a lista A, por exemplo, consegue o dobro de votos da B, ela elege seus dois postulantes. Caso isso não aconteça, serão eleitos os primeiros candidatos da A e da B, mesmo que este tenha uma votação individual inferior ao postulante 2 da primeira lista. E uma lista C, em 3º lugar, não elegeria ninguém.

Já o quórum supramajoritário, segundo o advogado constitucionalista e professor da Universidade Austral Fernando Muñoz, praticamente impede que sejam votadas alterações nas leis e até uma mudança na Constituição.

"Para que sejam alteradas essas leis ditadas pela Junta Militar, são necessários 4/7 dos votos do Congresso. Ou seja, 69 dos 120 deputados, e 21 dos 38 senadores", diz.

Para fazer uma reforma na Constituição ou conseguir elaborar uma nova, o próximo presidente terá como alternativas negociar com a oposição para alcançar os votos necessários ou promover um plebiscito a partir do qual os chilenos decidam pela convocação de uma Assembleia Constituinte.

PROTESTO NA CÉDULA

Uma parte da população já entrou nessa discussão. Para esta eleição, a organização Marca Tu Voto está convocando os cidadãos a escreverem nas cédulas eleitorais, em forma de protesto, a sigla AC, de "Assembleia Constituinte".

Com isso, a entidade pretende mostrar aos políticos que há uma demanda por essa nova Carta. "Queremos mostrar que essa Constituição criada na ditadura, cheia de entraves autoritários, não nos representa mais", afirma Magdalena Garretón, uma das diretoras do movimento.


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