Folha de S. Paulo


Na cidade mais atingida por tufão, 700 corpos se decompõem pelas ruas

O odor azedo dos cadáveres em decomposição revolta o estômago. A terra arrasada, onde antes havia um emaranhado de casas, perturba a visão. A garganta seca, mas há pouca água potável para aliviar a sede.

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A chegada a Tacloban, a cidade mais devastada pelo supertufão que atingiu as Filipinas, é um choque múltiplo para os sentidos.

Os que deram a sorte de sobreviver às ondas gigantes e a ventos de 330 km/h perambulam sem rumo em meio à destruição, deixando para trás suas casas em ruínas.

Não bastasse a falta de teto, comida, água e energia, ainda se preocupam com a ação de saqueadores, que esvaziaram mercados e invadem casas que ficaram de pé.

Para conter a violência, o governo impôs um toque de recolher durante a noite em Tacloban e pôs 800 soldados e policiais nas ruas.

A decisão veio tarde para os que foram roubados. "Limparam minhas duas lojas de departamento", disse Maxmilian Tiu, agitado, antes de fugir de Tacloban para a ilha vizinha de Cebu. "Um vizinho meu foi linchado tentando conter os saqueadores."

De natureza pacífica, sorridentes até nos piores momentos, os filipinos tentam entender como a tragédia descambou para a violência.

Há rumores de que fugitivos de um presídio de Tacloban comandaram os saques.

Basta uma caminhada pela cidade, porém, para ver que muita gente se aproveitou do caos para levar alguma coisa das lojas escancaradas. "Vou distribuir para as mulheres da minha família", explicou o pescador Sandy, 22, com um saco de absorventes femininos nas costas.

SEM ESPERANÇA

Quatro dias após o Haiyan baixar na costa leste, as autoridades perderam a esperança de resgatar sobreviventes.

"A prioridade é enterrar os mortos. Há 700 cadáveres nas ruas. Por enquanto não há epidemias", diz Tecson John Lim, da Prefeitura de Tacloban, que chefia as ações emergenciais.
Segundo ele, 700 é o número de mortos confirmados, mas o total deve crescer.

Corpos inchados e escurecidos jazem à beira da estrada que liga o aeroporto ao centro de Tacloban, dando a quem chega um macabro cartão de visitas da cidade.
Moradores cobrem o nariz com panos. A proteção improvisada não basta para evitar o cheiro da morte.

"No meu bairro tem mais de 50 cadáveres na rua. Tive que me mudar com a minha mãe porque o cheiro ficou insuportável", conta o estudante de direito Brian Gerilla, 24.
Enfileirados, a maioria cobertos por plásticos brancos, os corpos estão à espera de sepultamento há dias.

Não há mais trabalhos de resgate. Segundo John Lim, a maioria das vítimas morreu imediatamente ou logo após a chegada do tufão, por afogamento ou desabamentos.

INCONFORMADOS

Parentes de desaparecidos se negam a aceitar o inevitável. O momento em que o filho de cinco anos foi levado pela potência das águas não sai da cabeça da dona de casa Rodahlyn Odal, 31.

"Quando a onda invadiu nossa casa eu apertei o mais que pude a mão dele, mas a correnteza era forte demais e o levou", conta Rodhalyn.

Católica fervorosa, reza por um milagre que faça aparecer o caçula Carl Destin.

Enquanto isso, ela enfrenta filas nos postos de distribuição de arroz para alimentar os outros dois filhos, de 8 e 10 anos.

Do pequeno aeroporto, o terminal foi reduzido a um esqueleto de concreto e ferro.

Centenas de pessoas aguardam num lamaçal a chance de partir da capital da ilha de Leyte, uma das 7.000 que formam o arquipélago filipino.

Restou a pista de pouso, que recebe alguns poucos voos comerciais e aviões com ajuda humanitária.

Em volta, o cenário é de terra arrasada.

Sem energia em toda a ilha, Tacloban mergulha na escuridão cedo, por volta das 17h30. Velas são acesas. Começa o zumbido dos poucos geradores disponíveis e o medo dos saqueadores.

Os sobreviventes somem e os plásticos que envolvem os mortos reluzem quando passa um carro com o farol alto. A reconstrução começará pelos funerais coletivos.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

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