Folha de S. Paulo


Análise: Criticadas, medidas de Maduro miram curto prazo e eleição

"Que não fique nada nas prateleiras!", gritou o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, na TV, na sexta (8), após ordenar a queda compulsória do preço de eletrodomésticos, parte de uma série de medidas que endurece o controle de preços e a centralização das política cambial no país a pouco menos de um mês das eleições municipais.

A maioria dos economistas diz que provavelmente Maduro vai conseguir o que quer: esvaziar as prateleiras e criar escassez num setor que até então não havia esse problema, num movimento que tende a agravar as distorções da economia venezuelana.

Na noite desta segunda (11), Maduro pediu calma à população e garantiu que haverá reposição dos itens que tiveram os preços reduzidos. Mas não é isso que dizem os empresários venezuelanos nem os analistas, que apontam para gargalos até de logística para repor os estoques antes do Natal.

Por outro lado, poucos discordam de que a aposta do presidente é de curto prazo: culpar o setor privado pela inflação anualizada de 54,3% --o índice voltou a acelerar em outubro, com 5,1% de alta. É um discurso que tem especial apelo na base chavista, de quem ele precisa para evitar derrota nas municipais de 8 de dezembro.

"O governo está aprofundando os erros na economia. Creio que é uma resposta desesperada para tentar dar a impressão de que estão fazendo algo, saindo da imobilidade, quando, na realidade, em sete meses, não tomaram nenhuma medida econômica séria", disse à Folha o analista Alejandro Grisanti, do banco britânico Barclays.

Grisanti diz que ainda é cedo para saber se Maduro manterá as medidas centralizadoras anunciadas após a eleição, como a criação de uma empresa estatal para centralizar a logística.

É também inegável que o "saldão de Natal" de Maduro promove a venda de eletrodomésticos baratos e expõe, especialmente para pobres, uma parcela da população, da classe média que viaja a empresários, que está vivendo da ciranda do dólar: consegue a moeda americana a preços oficiais (6,3 bolívares por dólar) e a negocia com valor oito vezes maior.

Para os brasileiros, que vivemos hiperinflação e processos desastrosos de tabelamento de preços no anos 80 e começo dos 90, soa difícil de acreditar que anunciar uma super Sunab possa ser popular.

Mas na Venezuela, com longo histórico de inflação antes do chavismo, é fácil encontrar defesa do tabelamento e das forças-tarefas montadas pelo governo para vender produtos, inclusive comida, a preços subsidiados.

As filas e a escassez de produtos básicos como leite e papel higiênico irritam a população em geral, mas é comum achar um consumidor elogiando o governo por ter comprado frango barato numa loja estatal _mesmo que para isso tenha tido de esperar por horas.

"Quem não entende que o populismo é popular pouco entende. Mas quem crê que o populismo resolverá o problema entende menos ainda", escreveu, no Twitter, Luis Vicente León, do instituto Datanálisis.

Grisanti, do Barclays, concorda com o economista Mark Weisbrot, do esquerdista Center for Economic and Policy Research (CEPR), e afirma que o governo não vai quebrar nem corre risco de insolvência: há reservas e dinheiro suficiente do petróleo para financiar importações. Afinal, o barril do produto que sustenta a economia venezuelana ronda dos US$ 100.

"O que acontece é um péssimo manejo das divisas", diz Grisanti. Até Weisbrot, em artigo no "The Guardian", defendeu "mudanças de políticas", sem dizer quais. A consultoria de risco Eurasia Group também prevê "crescente risco de piora nas condições econômicas e sociais".

RISCO POLÍTICO

A atuação de Maduro, que não tem nem de longe o mesmo domínio da cena midiática nem política do seu antecessor, causa desconforto na base governista e entre os "apoiadores críticos" do movimento chavista.

Um dos termômetros do sentimento aparece no site Aporrea, que segue publicando textos de críticos do governo, como o sociólogo alemão baseado no México Heinz Dieterich, que acusou Maduro de intensificar a crise com as medidas e previu até um "regime militar" a partir de 2014.

"Quando acabarem os estoques nas tendas de eletrodomésticos, seguirão as filas e os mesmos procedimentos que as pessoas fazem para comprar leite, óleo, manteiga e papel higiênico?", perguntou, no Aporrea, o colaborador Edgar Perdomo Arzola. O nome do artigo: "Maduro, prudência com esse verbo!"


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