Folha de S. Paulo


Papa critica obsessão da igreja com aborto e gays; leia segunda parte da íntegra da entrevista

O papa Francisco concedeu uma longa entrevista ao padre italiano António Spadaro, do jornal jesuíta "La Civiltà Cattolica". Ele falou sobre temas polêmicos, como aborto, união gay e contracepção, e disse que a Igreja Católica ficou obcecada em pregar contra estes assuntos.

Suas declarações foram traduzidas e publicadas simultaneamente em outras 15 revistas jesuítas ao redor do mundo. A seguir, a segunda parte desta entrevista, com a tradução para a língua portuguesa feita pela "Revista Brotéria".

Papa diz que Jornada foi um "mistério"; leia primeira parte da íntegra da entrevista

Tiziana Fabi - 18.set.13/AFP
Papa Francisco cumprimenta fiéis ao chegar para mais uma audiência geral na praça São Pedro, no Vaticano
Papa Francisco cumprimenta fiéis ao chegar para mais uma audiência geral na praça São Pedro, no Vaticano

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A IGREJA? UM HOSPITAL DE CAMPANHA...

O Papa Bento 16, ao anunciar a sua renúncia ao Pontificado, retratou o mundo de hoje como sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, que requerem vigor, seja do corpo, seja da alma. Pergunto ao Papa, também à luz daquilo que acabou de me dizer: "De que é que a Igreja tem maior necessidade neste momento histórico? São necessárias reformas? Quais são os seus desejos para a Igreja dos próximos anos? Que Igreja "sonha"?"

O Papa Francisco, tomando o incipit da minha pergunta, começa por dizer: "O Papa Bento teve um acto de santidade, de grandeza, de humildade. É um homem de Deus", demonstrando um grande afecto e uma enorme estima pelo seu predecessor.

"Vejo com clareza - continua - que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas. Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas... E é necessário começar de baixo".

A Igreja por vezes encerrou-se em pequenas coisas, em pequenos preceitos. O mais importante, no entanto, é o primeiro anúncio: "Jesus Cristo salvou-te". E os ministros da Igreja devem ser, acima de tudo, ministros de misericórdia. O confessor, por exemplo, corre sempre o risco de ser ou demasiado rigorista ou demasiado laxista. Nenhum dos dois é misericordioso, porque nenhum dos dois toma verdadeiramente a seu cargo a pessoa. O rigorista lava as mãos porque remete-o para o mandamento. O laxista lava as mãos dizendo simplesmente "isto não é pecado" ou coisas semelhantes. As pessoas têm de ser acompanhadas, as feridas têm de ser curadas".

"Como estamos a tratar o povo de Deus? Sonho com uma Igreja Mãe e Pastora. Os ministros da Igreja devem ser misericordiosos, tomar a seu cargo as pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa, levanta o seu próximo. Isto é Evangelho puro. Deus é maior que o pecado. As reformas organizativas e estruturais são secundárias, isto é, vêm depois. A primeira reforma deve ser a da atitude. Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e mesmo de descer às suas noites, na sua escuridão, sem perder-se. O povo de Deus quer pastores e não funcionários ou clérigos de Estado. Os bispos, em particular, devem ser capazes de suportar com paciência os passos de Deus no seu povo, de tal modo que ninguém fique para trás, mas também para acompanhar o rebanho que tem o faro para encontrar novos caminhos".

"Em vez de ser apenas uma Igreja que acolhe e recebe, tendo as portas abertas, procuramos mesmo ser uma Igreja que encontra novos caminhos, que é capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem não a frequenta, de quem a abandonou ou lhe é indiferente. Quem a abandonou fê-lo, por vezes, por razões que, se forem bem compreendidas e avaliadas, podem levar a um regresso. Mas é necessário audácia, coragem".

Reflicto naquilo que o Papa está a dizer e refiro o facto que existem cristãos que vivem em situações não regulares para a Igreja ou, de qualquer modo, em situações complexas, cristãos que, de um modo ou de outro, vivem feridas abertas. Penso nos divorciados recasados, casais homossexuais, outras situações difíceis. Como fazer uma pastoral missionária nestes casos? Em que insistir? O Papa faz sinal de ter compreendido o que pretendo dizer e responde.

"Devemos anunciar o Evangelho em todos os caminhos, pregando a boa nova do Reino e curando, também com a nossa pregação, todo o tipo de doença e de ferida. Em Buenos Aires recebia cartas de pessoas homossexuais, que são "feridos sociais", porque me dizem que sentem como a Igreja sempre os condenou. Mas a Igreja não quer fazer isto. Durante o voo de regresso do Rio de Janeiro disse que se uma pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou ninguém para julgá-la. Dizendo isso, eu disse aquilo que diz o Catecismo. A religião tem o direito de exprimir a própria opinião para serviço das pessoas, mas Deus, na criação, tornou-nos livres: a ingerência espiritual na vida pessoal não é possível.

Uma vez uma pessoa, de modo provocatório, perguntou-me se aprovava a homossexualidade. Eu, então, respondi-lhe com uma outra pergunta: "Diz-me: Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova a sua existência com afecto ou rejeita-a, condenando-a?" É necessário sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. É preciso acompanhar com misericórdia. Quando isto acontece, o Espírito Santo inspira o sacerdote a dizer a coisa mais apropriada".

"Esta é também a grandeza da confissão: o facto de avaliar caso a caso e de poder discernir qual é a melhor coisa a fazer por uma pessoa que procura Deus e a sua graça. O confessionário não é uma sala de tortura, mas lugar de misericórdia, no qual o Senhor nos estimula a fazer o melhor que pudermos. Penso também na situação de uma mulher que carregou consigo um matrimónio fracassado, no qual chegou a abortar. Depois esta mulher voltou a casar e agora está serena, com cinco filhos. O aborto pesa-lhe muito e está sinceramente arrependida. Gostaria de avançar na vida cristã. O que faz o confessor?"

"Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível. Eu não falei muito destas coisas e censuraram-me por isso. Mas quando se fala disto, é necessário falar num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário falar disso continuamente".

"Os ensinamentos, tanto dogmáticos como morais, não são todos equivalentes. Uma pastoral missionária não está obcecada pela transmissão desarticulada de uma multiplicidade de doutrinas a impor insistentemente. O anúncio de carácter missionário concentra-se no essencial, no necessário, que é também aquilo que mais apaixona e atrai, aquilo que faz arder o coração, como aos discípulos de Emaús. Devemos, pois, encontrar um novo equilíbrio; de outro modo, mesmo o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, de perder a frescura e o perfume do Evangelho. A proposta evangélica deve ser mais simples, profunda, irradiante. É desta proposta que vêm depois as consequências morais".

"Digo isto também pensando na pregação e nos conteúdos da nossa pregação. Uma bela homilia, uma verdadeira homilia, deve começar com o primeiro anúncio, com o anúncio da salvação. Não há nada de mais sólido, profundo e seguro do que este anúncio. Depois deve fazer-se uma catequese. Assim, pode tirar-se também uma consequência moral. Mas o anúncio do amor salvífico de Deus precede a obrigação moral e religiosa. Hoje, por vezes, parece que prevalece a ordem inversa. A homilia é a pedra de comparação para calibrar a proximidade e a capacidade de encontro de um pastor com o seu povo, porque quem prega deve reconhecer o coração da sua comunidade para procurar onde está vivo e ardente o desejo de Deus. A mensagem evangélica não pode limitar-se, portanto, apenas a alguns dos seus aspectos, que, mesmo importantes, sozinhos não manifestam o coração do ensinamento de Jesus."

O PRIMEIRO RELIGIOSO PAPA EM 182 ANOS...

O Papa Francisco é o primeiro Pontífice proveniente de uma Ordem Religiosa, depois do camaldolense Gregório 16, eleito em 1831, há 182 anos. Pergunto, pois: "Qual é hoje na Igreja o lugar dos religiosos e religiosas?"

"Os religiosos são profetas. São os que escolheram um seguimento de Jesus, que imitam a sua vida com a obediência ao Pai, a pobreza, a vida de comunidade e a castidade. Neste sentido, os votos não podem cair em caricaturas; de outro modo, por exemplo, a vida comunitária torna-se um inferno e a castidade um modo de viver como solteirões. O voto de castidade deve ser um voto de fecundidade. Na Igreja, os religiosos são chamados em particular a ser profetas que testemunham como Jesus viveu nesta terra e que anunciam como o Reino de Deus será na sua perfeição. Um religioso nunca deve renunciar à profecia. Isto não significa contrapor-se à parte hierárquica da Igreja, mesmo se a função profética e a estrutura hierárquica não coincidem. Estou a falar de uma proposta sempre positiva, que, no entanto, não deve ser medrosa. Pensemos naquilo que fizeram tantos grandes santos monges, religiosos e religiosas, desde Santo Antão, abade. Ser profeta pode significar, por vezes, fazer ruído, não sei como dizer. A profecia faz ruído, alarido, alguns chamam "chinfrim". Mas, na realidade, o seu carisma é o de ser fermento: a profecia anuncia o espírito do Evangelho".

DICASTÉRIOS ROMANOS, SINODALIDADE, ECUMENISMO

Considerando a referência à hierarquia, pergunto neste ponto ao Papa: "O que pensa dos Dicastérios romanos?"

"Os dicastérios romanos estão ao serviço do Papa e dos bispos: devem ajudar tanto as Igrejas particulares como as Conferências Episcopais. São mecanismos de ajuda. Nalguns casos, quando não são bem entendidos, correm o risco, pelo contrário, de se tornarem organismos de censura. É impressionante ver as denúncias de falta de ortodoxia que chegam a Roma. Creio que os casos devem ser estudados pelas Conferências Episcopais locais, às quais pode chegar uma válida ajuda de Roma. De facto, os casos tratam-se melhor no local. Os dicastérios romanos são mediadores, nem intermediários nem gestores".

Recordo ao Papa que no passado dia 29 de Junho, durante a cerimónia da bênção e da imposição do pálio a 34 bispos metropolitas, tinha afirmado "o caminho da sinodalidade" como o caminho que leva a Igreja unida a "crescer em harmonia com o serviço do primado". Eis então a minha pergunta: "Como conciliar em harmonia primado petrino e sinodalidade? Que caminhos são praticáveis, também numa perspectiva ecuménica?"

"Devemos caminhar juntos: as pessoas, os Bispos e o Papa. A sinodalidade vive-se a vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia do sínodo, porque a actual parece-me estática. Isto poderá também ter valor ecuménico, especialmente com os nossos irmãos ortodoxos. Deles se pode aprender mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e sobre a tradição da sinodalidade. O esforço de reflexão comum, vendo o modo como se governava a Igreja nos primeiros séculos, antes da ruptura entre Oriente e Ocidente, dará frutos a seu tempo.

Nas relações ecuménicas isto é importante: não só conhecer-se melhor, mas também reconhecer o que o Espírito semeou nos outros como um dom também para nós. Quero prosseguir a reflexão sobre como exercitar o primado petrino, já iniciada em 2007 pela Comissão Mista, e que levou à assinatura do documento de Ravena. É preciso continuar neste caminho".

Procuro compreender como o Papa vê o futuro da unidade da Igreja. Responde-me: "Devemos caminhar unidos nas diferenças: não há outro caminho para nos unirmos. Este é o caminho de Jesus".

E o papel da mulher na Igreja? O Papa referiu-se a este tema em várias ocasiões. Numa entrevista tinha afirmado que a presença feminina na Igreja não emergiu mais, porque a tentação do machismo não deixou espaço para tornar visível o papel que compete às mulheres na comunidade. Retomou a questão durante a viagem de regresso do Rio de Janeiro, afirmando que ainda não foi feita uma teologia profunda da mulher. Então, pergunto: "Qual deve ser o papel da mulher na Igreja? Como fazer para torná-lo hoje mais visível?"

"É necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Temo a solução do "machismo de saias", porque, na verdade, a mulher tem uma estrutura diferente do homem. E, pelo contrário, os argumentos que oiço sobre o papel da mulher são muitas vezes inspirados precisamente numa ideologia machista. As mulheres têm vindo a colocar perguntas profundas que devem ser tratadas. A Igreja não pode ser ela própria sem a mulher e o seu papel. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isto, porque não se deve confundir a função com a dignidade. É necessário, pois, aprofundar melhor a figura da mulher na Igreja. É preciso trabalhar mais para fazer uma teologia profunda da mulher. Só realizando esta etapa se poderá reflectir melhor sobre a função da mulher no interior da Igreja. O génio feminino é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes. O desafio hoje é exactamente esse: reflectir sobre o lugar específico da mulher, precisamente também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja.

O CONCÍLIO VATICANO2º

"O que é que realizou o Concílio Vaticano 2º? Que é que foi?", pergunto-lhe à luz das suas afirmações precedentes, imaginando uma resposta longa e articulada. Tenho, pelo contrário, como que a impressão de que o Papa simplesmente considera o Concílio como um facto de tal modo indiscutível que para sublinhar a sua importância não vale a pena falar disso demasiado tempo.

"O Vaticano 2º foi uma releitura do Evangelho à luz da cultura contemporânea. Produziu um movimento de renovação que vem simplesmente do próprio Evangelho. Os frutos são enormes. Basta recordar a liturgia. O trabalho da reforma litúrgica foi um serviço ao povo como releitura do Evangelho a partir de uma situação histórica concreta. Sim, existem linhas de hermenêutica de continuidade e de descontinuidade. Todavia, uma coisa é clara: a dinâmica de leitura do Evangelho no hoje, que é própria do Concílio, é absolutamente irreversível. Depois existem questões particulares, como a liturgia segundo o Vetus Ordo2. Penso que a escolha do Papa Bento XVI foi prudente, ligada à ajuda a algumas pessoas que têm esta sensibilidade particular. Considero, no entanto, preocupante o risco de ideologização do Vetus Ordo, a sua instrumentalização.

PROCURAR E ENCONTRAR DEUS EM TODAS AS COISAS

O discurso do Papa Francisco sobre os desafios de hoje é muito desconcertante. Há uns anos tinha escrito que para ver a realidade é necessário o olhar da fé; de outra forma, vê-se uma realidade aos bocados, fragmentada. É este também um dos temas da Encíclica Lumen Fidei. Tenho em mente também algumas passagens dos discursos do Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. Cito-lhos: "Deus é real se Se manifesta no hoje"; "Deus está em toda a parte". São frases que fazem eco da expressão inaciana "procurar e encontrar Deus em todas as coisas". Pergunto então ao Papa: "Santidade, como se faz para procurar e encontrar Deus em todas as coisas?"

"O que eu disse no Rio tem um valor temporal. Existe, de facto, a tentação de procurar Deus no passado ou no futuro. Deus está, certamente, no passado porque está nas pegadas que deixou. E está também no futuro como promessa. Mas o Deus "concreto", digamos assim, é hoje. Por isso, os queixumes nunca, nunca, nos ajudam a encontrar Deus. As queixas de hoje de como o mundo anda "bárbaro" acabam por fazer nascer dentro da Igreja desejos de ordem entendidos como pura conservação, defesa. Não. Deus deve ser encontrado no hoje".

"Deus manifesta-Se numa revelação histórica, no tempo. O tempo inicia os processos, o espaço cristaliza-os. Deus encontra-Se no tempo, nos processos em curso. Não é preciso privilegiar os espaços de poder relativamente aos tempos, mesmo longos, dos processos. Devemos encaminhar processos, mais que ocupar espaços. Deus manifesta-Se no tempo e está presente nos processos da História. Isto faz privilegiar as acções que geram dinâmicas novas. E exige paciência, espera".

"Encontrar Deus em todas as coisas não é um eureka empírico. No fundo, quando desejamos encontrar Deus, quereríamos constatá-l'O de imediato com um método empírico. Assim não se encontra Deus. Ele encontra-Se na brisa ligeira sentida por Elias. Os sentidos que constatam Deus são os que Santo Inácio designa por "sentidos espirituais". Inácio pede para abrir a sensibilidade espiritual para encontrar Deus para além de uma abordagem puramente empírica. É necessária uma atitude contemplativa: é o sentir que se vai pelo bom caminho da compreensão e do afecto no que diz respeito às coisas e às situações. O sinal de que se está neste bom caminho é o sinal da paz profunda, da consolação espiritual, do amor de Deus e de todas as coisas em Deus".

CERTEZAS E ERROS

Se o encontro com Deus em todas as coisas não é um "eureka empírico" - digo ao Papa - e se, portanto, se trata de um caminho que lê a história, podem cometer-se erros...

"Sim, neste procurar e encontrar Deus em todas as coisas fica sempre uma zona de incertezas. Tem que ser assim. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com certeza total e não aflora uma margem de incerteza, então não está bem. Para mim, esta é uma chave importante. Se alguém tem a resposta a todas as perguntas, esta é a prova de que Deus não está com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião para si próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés, sempre deixaram espaço para a dúvida. Devemos deixar espaço ao Senhor, não às nossas certezas. É necessário ser humilde. A incerteza existe em cada discernimento verdadeiro que se abre à confirmação da consolação espiritual".

"O risco no procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, pois, a vontade de explicar demasiado, de dizer com certeza humana e arrogância: "Deus está aqui". Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é a agostiniana: procurar a Deus para O encontrar e encontrá-l'O para O procurar sempre. E muitas vezes procura-se por tentativas, como se lê na Bíblia. É esta a experiência dos grandes Pais da Fé, que são o nosso modelo. É necessário reler o capítulo 11 da Carta aos Hebreus. Abraão partiu sem saber para onde ia, pela fé. Todos os nossos antepassados da fé morreram vendo os bens prometidos, mas longe... A nossa vida não nos é dada como um libreto de ópera onde está tudo escrito, mas é ir, caminhar, fazer, procurar, ver... Deve-se entrar na aventura da procura do encontro e do deixar-se procurar e deixar-se encontrar por Deus".

"Porque Deus está antes, Deus está sempre antes, Deus antecede. Deus é um pouco como a flor da amendoeira da tua Sicília, António, que floresce sempre antes3. Lemo-lo nos profetas. Portanto, encontra-se Deus caminhando, no caminho. E neste ponto alguém poderia dizer que isto é relativismo. É relativismo? Sim, se é mal interpretado, como espécie de panteísmo indistinto. Não, se é interpretado em sentido bíblico, onde Deus é sempre uma surpresa e, portanto, não sabes nunca onde e como O encontras, não és tu a fixar os tempos e os lugares do encontro com Ele. É necessário, portanto, discernir o encontro. Por isso, o discernimento é fundamental".

"Se o cristão é restauracionista, legalista, se quer tudo claro e seguro, então não encontra nada. A tradição e a memória do passado devem ajudar-nos a ter a coragem de abrir novos espaços para Deus. Quem hoje procura sempre soluções disciplinares, quem tende de modo exagerado à "segurança" doutrinal, quem procura obstinadamente recuperar o passado perdido, tem uma visão estática e involutiva. E deste modo a fé torna-se uma ideologia entre tantas. Tenho uma certeza dogmática: Deus está na vida de cada pessoa. Deus está na vida de cada um. Mesmo se a vida de uma pessoa foi um desastre, se se encontra destruída pelos vícios, pela droga ou por qualquer outra coisa, Deus está na sua vida. Pode-se e deve-se procurar na vida humana. Mesmo se a vida de uma pessoa é um terreno cheio de espinhos e ervas daninhas, há sempre um espaço onde a semente boa pode crescer. É preciso confiar em Deus".

DEVEMOS SER OTIMISTAS?

Estas palavras do Papa recordam-me algumas reflexões suas do passado, nas quais o então cardeal Bergoglio escreveu que Deus vive já na cidade, vitalmente misturado no meio de todos e unido a cada um. É um outro modo, na minha opinião, para dizer o que Santo Inácio escreve nos Exercícios Espirituais, ou seja, que Deus "trabalha e opera" no nosso mundo. Pergunto-lhe então: "Devemos ser optimistas? Quais são os sinais de esperança no mundo de hoje? Como conseguir ser optimista num mundo em crise?"

"Não gosto de usar a palavra "optimismo", porque indica uma atitude psicológica. Gosto, pelo contrário, de usar a palavra "esperança", segundo aquilo que se lê no capítulo 11 da Carta aos Hebreus, como já citei. Os Pais continuaram a caminhar, atravessando grandes dificuldades. E a esperança não engana, como lemos naCarta aos Romanos. Pensa, pelo contrário, no primeiro enigma da ópera Turandot, de Puccini", pede-me o Papa.
Naquele momento recordei, um pouco de memória, os versos daquele enigma da princesa que tem como resposta a esperança: Na noite escura voa um fantasma / Iluminado. / Sobe e abre as asas / Sobre a negra infinita humanidade. / Todo o mundo o invoca / E todo mundo o implora. / Mas o fantasma desaparece com a Aurora para renascer no / coração. / E cada noite nasce e cada dia morre! Versos que revelam o desejo de uma esperança que aqui, no entanto, é um fantasma cintilante e que desaparece com a aurora.

"Aqui está - continua o Papa -, a esperança cristã não é um fantasma e não engana. É uma virtude teologal e, portanto, definitivamente, um presente de Deus que não se pode reduzir ao optimismo, que é apenas humano. Deus não defrauda a esperança, não pode negar-Se a Si mesmo. Deus é todo promessa.

A ARTE E A CRIATIVIDADE

Fico impressionado pela citação de Turandot para falar do mistério da esperança. Gostaria de compreender melhor quais são as suas referências artísticas e literárias. Recordo-lhe que em 2006 tinha dito que os grandes artistas sabem apresentar com beleza as realidades trágicas e dolorosas da vida. Pergunto então quais são os artistas e escritores que prefere; se eles têm algo em comum...

"Gostei muito de autores diferentes entre si. Gosto muitíssimo de Dostoiévski e Hölderlin. De Hölderlin quero recordar aquela poesia para o aniversário da sua avó, que é de grande beleza e que me fez tanto bem espiritual. É aquela que termina com o verso "Que o homem mantenha o que o rapaz prometeu". Impressionou-me também porque amava muito a minha avó Rosa, e ali Hölderlin compara a sua avó a Maria que gerou Jesus, que para ele é o amigo da terra que não considerou ninguém estrangeiro. Li I Promessi Sposi três vezes e tenho-o agora sobre a mesa para reler. Manzoni deu-me muito. A minha avó, quando eu era criança, ensinou-me de cor o início dos Promessi Sposi: "Quel ramo del lago di Como, che volge a mezzogiorno, tra due catene non interrotte di monti"(Dos dois braços que formam o lago de Como, um deles dirige-se para o sul, entre duas cadeias ininterruptas de montanhas) Também gostei muito de Gerard Manley Hopkins".

"Na pintura admiro Caravaggio: as suas telas falam-me. Mas também Chagall, com a sua Crucifixão Branca...".

"Na música gosto muito de Mozart, obviamente. Aquele Et Incarnatus est da sua Missa em Dó é insuperável: leva-te a Deus! Gosto muito de Mozart executado por Clara Haskil. Mozart preenche-me: não posso pensá-lo, devo ouvi-lo. Gosto de ouvir Beethoven, mas prometeicamente. E o intérprete mais prometeico para mim é Furtwängler. E depois as Paixões de Bach. O trecho de Bach de que gosto muito é o Erbarme Dich, o pranto de Pedro da Paixão segundo São Mateus. Sublime. Depois, num outro nível, não tão íntimo, gosto de Wagner. Gosto de ouvi-lo, mas não sempre. A Tetralogia do Anel executada por Furtwängler no Scala nos anos 50 é, para mim, a melhor. Mas também o Parsifal executado em 1962 por Knappertsbusch".

"Deveríamos também falar do cinema. La strada de Fellini é talvez o filme de que mais gostei. Identifico-me com aquele filme, no qual está implícita uma referência a São Francisco. Depois, creio ter visto todos os filmes com Anna Magnani e Aldo Fabrizi quando eu tinha entre 10 e 12 anos. Um outro filme de que muito gostei éRoma città aperta. Devo a minha cultura cinematográfica sobretudo aos meus pais, que nos levavam frequentemente ao cinema".

"Em todo o caso, em geral gosto muito dos artistas trágicos, especialmente os mais clássicos. Há uma bela definição que Cervantes coloca na boca do bacharel Carrasco para fazer o elogio da história de Dom Quixote: "Os rapazes têm-na entre as mãos, os jovens lêem-na, os adultos entendem-na, os velhos elogiam-na". Esta, para mim, pode ser uma boa definição para os clássicos".

Apercebo-me de estar absorvido por estas suas referências e de ter o desejo de entrar na sua vida, pela porta das suas escolhas artísticas. Seria um percurso a fazer, imagino que longo. E incluiria também o cinema, do neo-realismo italiano até a A Festa de Babette. Vêm-me à mente outros autores e outras obras que ele citou noutras ocasiões, mesmo menores ou menos conhecidas ou locais: de Martín Fierro de José Hernández à poesia de Nino Costa, a Il grande esodo de Luigi Orsenigo. Mas penso também em Joseph Malègue e José María Pemán. E, obviamente, em Dante e Borges, mas também em Leopoldo Marechal, o autor de Adán Buenosayres, El banquete de Severo Arcángelo e Megafón o la guerra.

Penso em particular precisamente em Jorge Luis Borges, porque Bergoglio, quando tinha 28 anos e era professor de Literatura em Santa Fé no Colegio de la Inmaculada Concepción, conheceu-o directamente. Bergoglio ensinava os últimos dois anos do Liceu e encaminhou os seus rapazes para a escrita criativa. Também eu tive uma experiência parecida à sua, quando tinha a mesma idade, no Istituto Massimo de Roma, fundando BombaCarta, e conto-lha. No final, peço ao Papa para me contar a sua experiência.

"Foi uma coisa um pouco arriscada - responde. Devia fazer de tal modo que os meus alunos estudassem El Cid. Mas os rapazes não gostavam. Pediam-me para ler García Lorca. Então decidi que deveriam estudar El Cid em casa e durante as lições eu trataria os autores de que os rapazes mais gostavam. Obviamente, os jovens queriam ler as obras literárias mais "picantes", contemporâneas como La casada infiel ou clássicas como La Celestina de Fernando de Rojas. Mas, ao ler estas coisas que os atraíam naquele momento, ganhavam mais gosto em geral pela literatura, pela poesia e passavam a outros autores. Para mim, esta foi uma grande experiência. Cumpri o programa, mas de modo desestruturado, isto é, não ordenado segundo aquilo que estava previsto, mas segundo uma ordem que resultava natural na leitura dos autores. E esta modalidade tinha muito que ver comigo: não gostava de fazer uma programação rígida, mas eventualmente saber mais ou menos onde chegar. Então comecei também a fazê-los escrever. No final decidi dar a ler a Borges dois contos escritos pelos meus rapazes. Conhecia a sua secretária, que tinha sido a minha professora de piano. Borges gostou muitíssimo e então ele propôs escrever a introdução de uma colectânea".

"Então, Santo Padre, para a vida de uma pessoa a criatividade é importante?", pergunto-lhe. Ele ri e responde: "Para um jesuíta é extremamente importante! Um jesuíta deve ser criativo".

FRONTEIRAS E LABORATÓRIOS

Criatividade, portanto: para um jesuíta é importante. O Papa Francisco, ao receber os Padres e colaboradores de La Civiltà Cattolica, tinha traçado uma tríade de outras características importantes para o trabalho cultural dos jesuítas. Regresso à memória desse dia, o passado 14 de Junho. Recordo que então, no colóquio prévio ao encontro com todo o nosso grupo, me tinha pré-anunciado a tríade: diálogo, discernimento, fronteira. E tinha insistido particularmente no último ponto, citando-me Paulo VI, que num famoso discurso tinha dito dos jesuítas: "Onde quer que, na Igreja, também nos campos mais difíceis e de vanguarda, nas encruzilhadas das ideologias e nas trincheiras sociais, tenha havido e haja o confronto entre as exigências ardentes do homem e a mensagem perene do Evangelho, lá estiveram e estão presentes os jesuítas".

Peço ao Papa Francisco algum esclarecimento: "Pediu-nos para estarmos atentos, para não cair na "tentação de domesticar as fronteiras: deve ir-se em direcção às fronteiras, e não trazer as fronteiras para casa a fim de envernizá-las um pouco e domesticá-las". A que é que se referia? O que é que pretendia dizer-nos exactamente? Esta entrevista foi acordada num grupo de revistas dirigidas pela Companhia de Jesus: que convite deseja exprimir-lhes? Quais devem ser as suas prioridades?".

"As três palavras-chave que dirigi a La Civiltà Cattolica podem ser extensivas a todas as revistas da Companhia, quiçá com diferentes acentuações segundo a sua natureza e os seus objectivos. Quando insisto na fronteira, de modo particular, refiro-me à necessidade para o homem da cultura de estar inserido no contexto em que opera e sobre o qual reflecte. Está sempre à espreita o perigo de viver num laboratório. A nossa fé não é uma fé-laboratório, mas uma fé-caminho, uma fé histórica. Deus revelou-Se como história, não como um compêndio de verdades abstractas. Tenho medo dos laboratórios, porque no laboratório pegam-se nos problemas e levam-se para a própria casa, para domesticá-los, para os envernizar, fora do seu contexto. Não é preciso levar a fronteira para casa, mas viver na fronteira e ser audazes".

Peço ao Papa se pode dar algum exemplo baseado na sua experiência pessoal.

"Quando se fala de problemas sociais, uma coisa é reunir-se para estudar o problema da droga num bairro-de-lata, e uma outra coisa é ir lá, morar e compreender o problema a partir de dentro e estudá-lo. Há uma carta genial do P. Arrupe aos Centros de Investigación y Acción Social (CIAS) sobre a pobreza, na qual se diz claramente que não se pode falar de pobreza se não se experimenta com inserção direta nos lugares nos quais ela se vive. Esta palavra "inserção" é perigosa, porque alguns religiosos a tomaram como uma moda, e aconteceram desastres por falta de discernimento. Mas é verdadeiramente importante".

"E as fronteiras são tantas. Pensemos nas religiosas que vivem nos hospitais: elas vivem nas fronteiras. Eu estou vivo graças a uma delas. Quando tive o problema no pulmão no hospital, o médico deu-me penicilina e estrectomicina em certas doses. A Irmã que estava de serviço triplicou as doses, porque tinha intuição, sabia o que fazer, porque estava com os doentes todo o dia. O médico, que era verdadeiramente bom, vivia no seu laboratório, a Irmã vivia na fronteira e dialogava com a fronteira todos os dias. Domesticar a fronteira significa limitar-se a falar de uma posição distante, fechar-se nos laboratórios. São coisas úteis, mas a reflexão para nós deve sempre partir da experiência".

COMO O HOMEM SE COMPREENDE A SI MESMO

Pergunto então ao Papa se isto é válido e de que modo, mesmo para uma fronteira cultural importante, como é a do desafio antropológico. A antropologia a que a Igreja tradicionalmente tem feito referência e a linguagem com a qual a expressou mantêm-se como uma referência sólida, fruto da sabedoria e da experiência seculares. Todavia, o homem a que a Igreja se dirige já não parece compreendê-las ou considerá-las suficientes. Começo a pensar no facto de que o homem está a interpretar-se num modo diferente do passado, com categorias diferentes. E isto também por causa das grandes mudanças na sociedade e de um mais amplo estudo de si próprio...

O Papa neste momento levanta-se e vai buscar o breviário à sua escrivaninha. É um breviário em Latim, já muito gasto pelo uso. Abre-o no Ofício de Leitura da Feria sexta, isto é, sexta-feira da XXVII semana. Lê-me uma passagem tirada do Commonitórium Primum de São Vicente de Lérins: ita étiam christiánae religiónis dogma sequátur has decet proféctuum leges, ut annis scílicet consolidétur, dilatétur témpore, sublimétur aetáte ("Mesmo o dogma da religião cristã deve seguir estas leis de aperfeiçoamento. Progride, consolidando-se com os anos, desenvolvendo-se com o tempo, aprofundando-se com a idade")".

E assim continua o Papa: São Vicente de Lérins faz a comparação entre o desenvolvimento biológico do homem e a transmissão de uma época à outra do depositum fidei, que cresce e se consolida com o passar do tempo. Cá está: a compreensão do homem muda com o tempo e assim também a consciência do homem aprofunda-se. Pensemos no tempo em que a escravatura era aceite ou a pena de morte era admitida sem nenhum problema. Assim, cresce-se na compreensão da verdade. Os exegetas e os teólogos ajudam a Igreja a amadurecer o próprio juízo. Também as outras ciências e a sua evolução ajudam a Igreja neste crescimento na compreensão. Existem normas e preceitos eclesiais secundários que noutros tempos eram eficazes, mas que agora perderam valor ou significado. Uma visão da doutrina da Igreja como um bloco monolítico a defender sem matizes é errada".

"De resto, em cada época o homem procura compreender e exprimir melhor a sua própria realidade. E assim o homem, com o tempo, muda o modo de se perceber a si mesmo: uma coisa é o homem que se exprime esculpindo a Nike (Vitória) de Samotrácia, outra a de Caravaggio, outra a de Chagall e ainda outra a de Dalí. Também as formas de expressão da verdade podem ser multiformes e isto é necessário para a transmissão da mensagem evangélica no seu significado imutável".

"O homem está à procura de si mesmo, e, obviamente, nesta procura pode também cometer erros. A Igreja viveu tempos de genialidade, como, por exemplo, o do tomismo. Mas viveu também tempos de decadência de pensamento. Por exemplo, não podemos confundir a genialidade do tomismo com o tomismo decadente. Eu, infelizmente, estudei a filosofia com manuais de tomismo decadente. No pensar o homem, portanto, a Igreja deveria tender à genialidade, não à decadência".

"Quando é que uma expressão do pensamento não é válida? Quando o pensamento perde de vista o humano ou até quando tem medo do humano ou se deixa enganar sobre si mesmo. É o pensamento enganado que pode ser representado como Ulisses diante do canto das sereias, ou como Tannhäuser, rodeado numa orgia por sátiros e bacantes, ou como Parsifal, no segundo acto da ópera wagneriana, no castelo de Klingsor. O pensamento da Igreja deve recuperar genialidade e entender sempre melhor como é que o homem se compreende hoje, para desenvolver e aprofundar o próprio ensino".

REZAR

Coloco ao Papa uma última pergunta sobre o seu modo preferido de rezar.

"Rezo o Ofício todas as manhãs. Gosto de rezar com os Salmos. Depois, a seguir, celebro a Missa. Rezo o Rosário. O que verdadeiramente prefiro é a Adoração vespertina, mesmo quando me distraio e penso noutra coisa ou mesmo quando adormeço rezando. Assim, à tarde, entre as sete e as oito, estou diante do Santíssimo durante uma hora, em adoração. Mas também rezo mentalmente quando espero no dentista ou noutros momentos do dia".

"E a oração é para mim uma oração "memoriosa", cheia de memória, de recordações, também memória da minha história ou daquilo que o Senhor fez na sua Igreja ou numa paróquia particular. Para mim é a memória de que Santo Inácio fala na Primeira Semana dos Exercícios, no encontro misericordioso com Cristo Crucificado. E pergunto-me: "Que fiz por Cristo? Que faço por Cristo? Que farei por Cristo?" É a memória de que fala Inácio também na Contemplatio ad amorem, quando pede para trazer à memória os benefícios recebidos. Mas, sobretudo, eu sei também que o Senhor tem memória de mim. Eu posso esquecer-me d'Ele, mas sei que Ele nunca, nunca, se esquece de mim. A memória funda radicalmente o coração de um jesuíta: é a memória da graça, a memória de que se fala no Deuteronómio, a memória das obras de Deus que estão na base da aliança entre Deus e o seu povo. É esta memória que me faz filho e me faz ser também pai".

CONCLUSÃO

Dou-me conta que continuaria ainda por muito tempo este diálogo, mas sei que, como o Papa disse uma vez, não é preciso "maltratar os limites". Dialogámos amplamente por mais de seis horas, ao longo de três encontros, nos dias 19, 23 e 29 de Agosto. Aqui preferi articular o discurso sem assinalar os intervalos, para não perder o fio condutor. A nossa foi, na realidade, uma conversa, mais que uma entrevista: as perguntas fizeram de pano de fundo sem limitá-la em parâmetros pré-definidos e rígidos. Mesmo linguisticamente atravessámos fluidamente o Italiano e o Espanhol sem que nos apercebêssemos de quando em vez das mudanças. Não houve nada de mecânico e as respostas nasceram no interior de um pensamento que aqui procurei transmitir, de modo sintético, o melhor que pude.


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