Folha de S. Paulo


Opinião: Decisão de Dilma sobre viagem gera ruído incômodo e desnecessário

A visita de Estado de Dilma Rousseff aos EUA em outubro dificilmente traria algum resultado de fato significativo para os dois países.

Teria sido apenas uma repetição, com cenografia e coreografia mais bem cuidadas, dos encontros anteriores que ela e Barack Obama tiveram em Brasília e Washington.

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Há uma tendência nas relações internacionais de relevância cada vez maior das iniciativas e contatos entre as sociedades dos países e cada vez menor dos que ocorrem entre seus governos.

Com ou sem a cúpula de outubro, turistas e estudantes brasileiros continuarão a ir para os EUA em número crescente, universidades e institutos de pesquisa americanos e brasileiros farão mais acordos de cooperação, empresas daqui e de lá investirão lá e aqui, e os governos reagirão positivamente a essas ações sempre que elas forem realmente significativas.

Editoria de Arte/Folhapress

Mesmo assim, o adiamento da visita causa ruído incômodo e talvez desnecessário.

É claro que a espionagem americana é uma afronta e não poderia ficar sem resposta dura e firme.

Mas ela poderia ter sido dada na Casa Branca mesmo, num diálogo entre os presidentes em que Dilma estaria na posição de força.

A esta altura, os EUA têm mais a perder do que o Brasil (a concorrência pelos caças da FAB, a exploração do pré-sal).

E o Brasil tem mais a ganhar que os EUA (um apoio explícito de Washington à sua reivindicação de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU).

Será difícil ocorrer circunstância mais favorável para ela negociar do que a atual.

O governo precisa ser muito cuidadoso no que vai fazer daqui para frente para reagir à espionagem para não causar graves prejuízos ao país.

O que já deveria ter feito há muito tempo e não pode mais adiar é um programa de investimento vultoso em pesquisa e tecnologia para o Brasil poder ter mais autonomia em telecomunicações, informática, controle de dados, criptografia etc.

Mas não deve retroceder a políticas protecionistas que há três décadas condenaram a nação ao atraso e os consumidores a custos enormes por serviços e produtos ineficazes.

O que também não pode fazer é, a pretexto de proteger a segurança nacional, se aventurar a controlar a internet e ingressar no clube de China, Irã e Rússia, que cerceiam a liberdade de informação e de comunicação de seus cidadãos e em seus territórios.

Beneficiário da globalização, o Brasil não pode ignorar que as cadeias produtivas no setor de telecomunicações e de tecnologia, assim como a pesquisa e o fluxo de informação, se tornaram globais.

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é editor da revista "Política Externa"


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