Folha de S. Paulo


Barreiras australianas deixam refugiados no limbo

JACARTA, Indonésia - Em janeiro, Naqsh Murtaza já estava farto do conflito no Afeganistão e fugiu com a mãe e com dois irmãos mais novos para o Paquistão, primeira parada de uma arriscada jornada. Ele esperava chegar sozinho à Austrália, obter asilo e então trazê-los para o país.

Acabou nas mãos de contrabandistas que o amontaram com outros imigrantes em um barco que naufragou e foi resgatado por autoridades da Indonésia.

Jamais chegou à Austrália, mas talvez não fizesse diferença se isso tivesse acontecido.

De acordo com uma medida anunciada em 19 de julho pelo primeiro-ministro Kevin Rudd, qualquer pessoa que chegar de barco sem possuir visto deve ser enviada para um centro de processamento na vizinha Papua-Nova Guiné e fica proibida de se estabelecer na Austrália.

Ed Wray/International Herald Tribune
Alterações de regras põem migrantes em perigosas viagens a lugar nenhum
Alterações de regras põem migrantes em perigosas viagens a lugar nenhum

É a regra mais excludente já experimentada pela Austrália na tentativa de conter o fluxo de candidatos a asilo.

O governo divulgou amplamente a medida em TVs e jornais australianos, a fim de transmiti-la às populações imigrantes, que, por sua vez, supostamente espalhariam a notícia a parentes e amigos nos seus países de origem que estivessem cogitando fugir para a Austrália.

Mas as políticas migratórias australianas são frequentemente alteradas, o que deixa muitos migrantes confusos e outros com a expectativa de que a nova medida também será revertida.

A desinformação, inclusive por parte dos contrabandistas, também prejudica os esforços.

Naqsh disse que não tentaria uma nova viagem marítima.

Em vez disso, espera ser reassentado legalmente em outro lugar pela Acnur (agência da ONU para refugiados).

Ele não pode trabalhar legalmente na Indonésia, onde havia, quando da sua chegada, mais de 10 mil candidatos a asilo e refugiados oficiais aguardando triagem, segundo a agência.

Reassentar uma pessoa pode levar até três anos, segundo a Organização Internacional para a Migração em Jacarta. Desde 2000, apenas cerca de 2.500 refugiados registrados pela ONU na Indonésia foram reassentados.

A nova política da Austrália até agora deu poucos resultados.

Segundo autoridades australianas, nas quatro semanas subsequentes ao anúncio de Rudd, chegaram ou tentaram chegar ao país 2.784 imigrantes, da Indonésia e de outros lugares -quase o dobro da média mensal de 1.434 em 2012.

Essas autoridades disseram que 356 pessoas que chegaram à ilha Christmas já foram enviadas para um campo em Papua-Nova Guiné.

O refugiado somali Abdulkadir Abdi, 28, chegou à Indonésia em janeiro de 2011 com a expectativa de frequentar uma universidade -para então descobrir que havia sido enganado por um "agente educacional" na Somália.

"Na cabeça dos refugiados, há duas opções: ou você morre no barco ou vai para a Austrália", disse Abdi.

Quanto ao risco de ser transferido para Papua-Nova Guiné, ele disse que a ideia prevalente é: "Talvez não me mandem -as regras podem mudar".


Endereço da página: