Folha de S. Paulo


Análise: Refugiado ou asilado, senador não pode ser devolvido à Bolívia

Depois de 15 meses, a situação do senador boliviano Roger Pinto Molina atingiu o clímax na semana passada, com a fuga para o Brasil e a queda, em seguida, do chanceler Antonio Patriota.

A trama entra agora na morna seara jurídica, onde prevalece um debate confuso sobre dois instrumentos parecidos, mas com particularidades importantes --o asilo e o refúgio.

Molina tinha, havia mais de um ano, o asilo diplomático, concedido na Embaixada do Brasil em La Paz. Mas não podia sair de lá, porque o presidente Evo Morales lhe negava o salvo-conduto. A negativa se opõe à decisão que o próprio Evo assinara há um mês em Montevidéu --"É fundamental assegurar que seja garantido o direito aos asilados de transitar com segurança até o país que tenha concedido o asilo."

Seja como for, Molina chegou ao Brasil. Aqui, poderia trocar o asilo diplomático pelo asilo territorial e esquecer o assunto para sempre. Mas, ao contrário, preencheu uma ficha que lhe foi entregue com um pedido de refúgio.

Com isso, o caso, que seria resolvido pela Presidência, passou para a esfera de um colegiado chamado Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), que tem até seis meses, renováveis por outros seis, para dizer se Molina se enquadra ou não no Estatuto do Refugiado, inspirado na Convenção sobre Refúgio.

O asilo seria o caminho curto, prerrogativa exclusiva da Presidência. Embora amparado por dois tratados específicos, além de menções gerais na Declaração Universal de Direitos Humanos, seria, antes de tudo, decisão política. O ditador paraguaio Alfredo Stroessner morreu exilado no Brasil em 2006.

Refúgio é diferente. Regulado por convenção específica, estabelece parâmetros para que o pedido seja analisado tecnicamente, por oito órgãos --seis ministérios, uma agência da ONU, Polícia Federal e Caritas, que ocupa a vaga da sociedade civil-- ainda que o Executivo possa agir, como fez no caso do italiano Cesare Battisti, em decisão recente, reiterada pelo Supremo Tribunal Federal.

De um jeito ou de outro, o senador não pode ser devolvido. Existe, tanto no refúgio como no asilo, uma regra chamada de "non réfoulement", segundo a qual uma pessoa não pode ser devolvida a um país onde esteja exposta à perseguição.

JOÃO PAULO CHARLEAUX é coordenador de comunicação da ONG Conectas


Endereço da página: