Folha de S. Paulo


Viciado pode se drogar em clínica estatal no Canadá

Em um dia recente nublado com um tímido sol típico da cidade de Vancouver, no Canadá, um homem deitado na calçada em meio a cobertores, roupas espalhadas e um cachorro amarrado a uma corda mostrava uma placa de papelão na qual pedia aos pedestres para sorrirem.

Quando alguém acatava o pedido, o homem de 34 anos, e de pelo menos dez a mais, virava a placa e mostrava uma frase, escrita com letras tortas, clamando por dinheiro para comprar comida e, principalmente, manter o vício em heroína e cocaína.

Vancouver, na costa oeste canadense, é uma cidade com baixos índices de violência, boas oportunidades de trabalho, transporte público eficiente e belas paisagens.

Frequentemente aparece como a cidade de melhor qualidade de vida do mundo em rankings internacionais.

Mas tem um outro lado: uma das maiores concentrações de usuários de drogas da América do Norte.

Estima-se que mais de 12 mil usuários morem nas ruas da cidade, de acordo com dados do governo provincial.

É na Hastings Street, que liga o centro de Vancouver à cidade de Burnaby, na região metropolitana, que subitamente a paisagem se transforma. Andando por apenas alguns quarteirões pela avenida, se chega ao local onde viciados passam o dia.

Por ali, roupas de procedência duvidosa são esticadas no chão para serem vendidas, e milhares de pessoas formam aglomerações nas calçadas.

Praticamente todos buscam a mesma coisa: drogas.

Em plena rua, mesmo na luz do dia, elas são consumidas por meio de cigarros, cachimbos e seringas.

É um ambiente conturbado, com clima pesado: muitos dos que por ali circulam buscam de qualquer maneira amenizar os efeitos da abstinência e, por isso, furtos e agressões são comuns.

Carros da polícia passam constantemente pelo mercado a céu aberto, mas apenas observam os usuários.

CENTRO

Na busca incessante pela droga, o viciado Roger Danveni passa os dias recolhendo o dinheiro do pequeno copo de um fast-food e andando pela rua para comprar cocaína ou heroína e poder injetar em um centro mantido pelo governo provincial no qual usuários podem usar a droga com supervisão de profissionais da saúde.

Ele diz que a família já o tentou internar por diversas vezes.

Buscando diminuir os efeitos sociais e econômicos do consumo de drogas na cidade, o governo provincial abriu há dez anos a Insite -uma casa onde os dependentes químicos podem injetar a droga com segurança.

O local, o primeiro da América do Norte a oferecer esse tipo de serviço, fica bem próximo da grande aglomeração de usuários.

Possui 12 cabines simples, onde homens e mulheres podem injetar as drogas ilícitas separados por divisórias que se assemelham às de escritórios, sob a supervisão de enfermeiros.

A Insite também fornece equipamentos, como seringas descartáveis e torniquetes, porém a droga sempre vem da rua. Não há o fornecimento do material ilegal por parte do governo provincial. Caso ocorra uma overdose, uma equipe está de plantão para intervir.

De acordo com dados do governo, desde a abertura da Insite, foram contabilizadas 1.418 overdoses dentro do local, porém nunca houve uma morte. Além disso, os levantamentos mostram que casos de overdoses diminuíram 35% na vizinhança do local, enquanto no restante da cidade, a queda foi de 9%.

ACONSELHAMENTO

O orçamento da clínica do governo provincial para viciados é de 2,9 milhões dólares canadenses (ou cerca de R$ 6,7 milhões).

Para Anna Marie D'Angelo, diretora de relacionamentos da Insite, nome da clínica, o local oferece a oportunidade de formar relacionamentos e incentivar as pessoas marginalizadas a acessar os serviços de saúde, já que cerca de metade dos usuários estão desabrigados e tem problemas mentais.

A única forma de internação é a espontânea. Porém, o usuário pode --se quiser-- ficar acomodado nas dependências da clínica.

O usuário Roger Danveni conta que nunca ficou mais que alguns minutos dentro do local, mas diz que tem esperança de que um dia consiga, finalmente, abandonar o vício.

No local, há 12 quartos com banheiros onde os usuários podem se desintoxicar da droga. É nesse ponto que psicólogos, conselheiros, enfermeiros e médicos trabalham em conjunto para que a pessoa possa se estabilizar.

Caso haja uma melhora, o usuário pode subir ao terceiro andar, onde há um setor dedicado à estabilização do vício, com conexão a programas de tratamento, habitação e retorno à sociedade.

De acordo com D'Angelo, a Insite não trabalha sozinha. É parte de uma estrutura de combate as drogas, que foca na conscientização.

Apenas no ano passado, cerca de 193 mil pessoas visitaram o local, uma média de 529 visitas por dia, sendo que 27% do total foi composta por mulheres.


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