Folha de S. Paulo


Voltar à Bolívia seria 'sentença de morte', diz senador

Opositor do presidente boliviano, Evo Morales, o senador Roger Pinto Molina, 53, chegou a Brasília no último sábado, após longa viagem de carro e avião organizada pelo diplomata brasileiro Eduardo Saboia. O senador havia passado 15 meses fechado na Embaixada do Brasil em La Paz, sob garantia de asilo. A operação de retirada gerou crise no Itamaraty e levou à queda do chanceler Antonio Patriota.

Pedro Ladeira/Folhapress
O senador Roger Pinto Molina concede entrevista à Folha no escritório de seu advogado, em Brasília
O senador Roger Pinto Molina concede entrevista à Folha no escritório de seu advogado, em Brasília

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Sou do departamento de Pando, uma das regiões mais atrasadas da Bolívia. Meu pai era do campo, minha mãe trabalhava em casa, e em algum momento tivemos um pequeno comércio, que foi o que nos permitiu estudar. Era uma pequena mercearia, que vendia alimentos. Trabalhei muito para conseguir estudar. Em minha região não havia uma universidade, então tive que ir para outra cidade. Minha família não tinha condições de pagar uma universidade. Trabalhei no banco Ganadero, na área de crédito, por dez anos.

Tenho uma base cristã de princípios, sou evangélico batista, e sempre entendi que o trabalho social que as igrejas fazem é fundamental.

Fui presidente do tribunal eleitoral, vereador, deputado, depois governador [de Pando], deputado novamente, senador e hoje tenho um mandato até fevereiro de 2015. Ocupei vários cargos, no Senado, deputado, vice-presidente do Senado. O principal foi o chefe da oposição no Senado no último ano.

[O então deputado] Evo Morales era alguém com quem convivi nos primeiros anos no Congresso. Era um amigo, com quem eu podia jogar futebol. E jogamos várias vezes juntos, tenho fotos.

De maneira contínua ele me convidou para participar desse projeto político, ou parte desse projeto. Tínhamos uma visão diferente. Sempre acreditei que o tema da coca fosse a matéria-prima para o narcotráfico e era preciso atacar isso. Ele defendia a coca. Eu acreditava na liberdade, no direito privado, na propriedade das coisas e consciente de que era necessário reduzir a coca.

Quando chegou ao governo, Evo nos convidou de novo ao palácio, umas três ou quatro vezes. Ele queria que fizéssemos parte do seu governo. Nós achamos que era mais importante ajudá-lo nos temas sociais, da luta contra a miséria, com isso nós nos comprometemos.

Mas logo veio um processo de decomposição e violência do governo que atribuo à presença cubana e ao processo de linchamento político.

Depois que Cuba e Venezuela intervieram de forma direta [formando parcerias com o governo], ele teve outro tipo de política e comportamento muito mais agressivos. Então se estabelece como política de seu governo acabar com a oposição. E começa a perseguir de maneira sistemática todos os ex-presidentes, ex-governadores.

Todos os governos de esquerda querem é chegar, mudar a Constituição, adequá-la a eles, porque têm um objetivo, consolidar-se no governo, não importa como.

Nenhum desses governos se vai por vontade própria, de forma democrática. Ou seja, é o modelo chavista-cubano. E claro que nós nos opomos a isso. Queríamos que houvesse um Estado, uma República, que havia que se conservar a constitucionalidade.

O modelo cubano é que o se chama de "segundo paredón". Hoje em dia já não te matam, mas te destroem, te desqualificam e te acusam de maneira sistemática.

No meu caso, começa no ano de 2008, quando o governo leva gente para a minha região e há confrontação e morrem camponeses, como fruto da violência que foi gerada pelo governo.

Eu estava em La Paz, era chefe da oposição. Não tinha nada a ver com o governo departamental.

Não estava nem perto. Tenho uma propriedade na região desde os anos 80, mas ela não foi invadida. Poderia dizer o contrário, mas não seria verdadeiro. Tem 1.150 hectares e umas 650 cabeças de gado. É pequena.

O governo começa a inventar processos de todo tipo. Inventam uma acusação de que eu causei dano ao Estado pela venda de um terreno.

Totalmente falso. Fui condenado à revelia apenas porque empresas destinaram recursos para uma universidade pública, que formou milhares de estudantes.

O juiz que primeiro me julgou disse que deveriam fazer um monumento para mim. Abriram 22 processos. Dez eram por desacato. Havia cerco judicial.

Descobriram-se três ou quatro planos para me assassinar. Detiveram-me por 45 dias, violando a Constituição, em prisão domiciliar. Vêm de maneira mais seguida as ameaças de mortes, chegando a um ponto insuportável. Então se descobre um plano para me sequestrar.

Isso me levou a tomar uma decisão do pedido de asilo. Eu estava atacando os interesses do verdadeiro setor forte do governo Evo Morales, que é o tema da droga.

Hoje em dia, retornar à Bolívia é pouco menos que um suicídio para mim. Se você escuta Morales, como ele fala, o pouco respeito que tem pelas pessoas, tenha a plena segurança de que voltar à Bolívia [para mim] é uma sentença de morte.

O isolamento na embaixada era insuportável. Em algum momento, disse "bom, por que não termino isso de uma vez?". Na primeira vez parece estranho, porque sou cristão. Mas à medida que o tempo passa, isso volta à mente, "seria tão simples e amanhã tudo estaria acabado". Saboia começou a se preocupar. E então ele me disse ter três opções, e a terceira era cumprir os objetivos que havia dito a presidente Dilma [quando da concessão do asilo], que era preservar minha vida.


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