Folha de S. Paulo


Análise: problema vem aumentar lista de rusgas entre Brasil e Bolívia

O Itamaraty está no pior dos mundos: ou o chanceler Antonio Patriota não tem controle sobre os diplomatas ou a operação foi autorizada e o inquérito e a ameaça de punições são só jogo de cena.

Assim, o governo parece confuso e perplexo diante da saída mirabolante do senador Roger Pinto desde a embaixada brasileira, em La Paz, até Brasília.

A cúpula diplomática jurava que foi surpreendida. E toda a culpa recaía sobre o encarregado de negócios da embaixada, o ministro Eduardo Saboia.

Ele está no comando em La Paz, já que o antigo embaixador, Marcel Biato, deixou o posto e o novo, Raymundo Magno, ainda não chegou.

Quem conhece Saboia atesta que é "muito disciplinado" e não teria a ousadia de decidir algo envolvendo duas nações sem ter recebido ordem superior ou, no mínimo, autorização.

Duas carreiras são altamente hierarquizadas: a militar e a diplomática. É raríssimo, a não ser em caso de revoluções e guerras, militares e diplomatas tomando decisões de sua própria cabeça e atropelando toda a sua linha de comando.

Na Bolívia a reação também é de espanto. Desde a cúpula do governo até a embaixada de La Paz em Brasília, há a mesma reação de incredulidade. Como um diplomata teria autonomia para tomar essa decisão e executar uma operação tão delicada?

Chegada de senador boliviano abre crise no Itamaraty

De concreto, há o fato de que o Brasil estava mesmo cansado da teimosia do governo Evo Morales, que vinha desconhecendo até a tradição de conceder salvo conduto, todos respeitados historicamente no continente.

De nebuloso, há as versões para a solução pouco ortodoxa para o impasse, com o asilado saindo por terra, durante horas, cruzando fronteiras --e sem sequer conhecimento do governo brasileiro.

Se não houve um acordão sigiloso entre os governos, o problema vem aumentar a lista de contenciosos diplomáticos entre Bolívia e Brasil.

O governo de Evo Morales já inspecionou um avião oficial que transportava o ministro da Defesa, Celso Amorim, e usou cães para farejar drogas em outro avião oficial que levava parlamentares brasileiros.

Houve, ainda, idas e vindas até a libertação dos torcedores corintianos suspeitos da morte de um boliviano durante jogo na Bolívia.

Agora, é o Brasil quem está na berlinda. Precisa explicar se o diplomata Eduardo Saboia pode fazer o que bem entende, se operou uma decisão de alto risco político tomada em Brasília ou se executou uma solução conveniente para os dois países.


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