Folha de S. Paulo


Brasileiro detido em Londres estava a serviço de jornal

Apesar de não ser funcionário do jornal britânico "The Guardian", o brasileiro David Miranda, detido e interrogado no aeroporto de Heathrow, em Londres, quando fazia escala para voltar ao Rio, costuma ajudar o namorado Glenn Greenwald nas reportagens, diz a publicação.

Miranda ficou retido por quase nove horas numa sala com seis agentes da Scotland Yard (polícia metropolitana de Londres). Ele foi detido com base na lei de combate ao terrorismo, que permite prender suspeitos sem mandado judicial. Mesmo após ser liberado, ele teve o laptop, cartões de memória, DVDs e um videogame apreendido.

Embaixada britânica diz que detenção de brasileiro é 'questão operacional'

O "Guardian" também admitiu que financiou a viagem do brasileiro. Miranda esteve em Berlim, onde visitou Laura Poitras, documentarista americana que auxilia o Greenwald na divulgação dos documentos repassados por Edward Snowden.

Ricardo Moraes/Reuters
Glenn Greenwald (esq.)abraça o namorado David Miranda após sua chegada ao aeroporto do Rio; Miranda ficou detido por quase 9 horas em Londres, onde fez escala
Glenn Greenwald (esq.) abraça o namorado David Miranda após sua chegada ao aeroporto do Rio

Ao jornal americano "The New York Times", Greenwald afirmou que o namorado entregou a Poitras documentos relacionados à investigação sobre espionagem. Em troca, a americana passou outros documentos para Miranda levar ao jornalista.

Todos os documentos estariam criptografados e armazenados em "pen drives", segundo Greenwald, que acabaram confiscados pelas autoridades britânicas.

A Casa Branca informou hoje que as autoridades britânicas avisaram os EUA antes de prender Miranda, mas negou, porém, que os EUA tenham pedido a prisão e o interrogatório do brasileiro.

"Esta decisão eles tomaram por conta própria", afirmou o porta-voz da Casa Branca Josh Earnest.

EXPLICAÇÕES

A polícia e o governo britânico terão que explicar oficialmente a detenção do brasileiro. O ouvidor independente David Anderson vai investigar se houve abuso na aplicação das leis antiterrorismo, que dão poderes especiais às autoridades desde 2000.

Se concluir que o brasileiro foi detido ilegalmente, ele deve enviar um relatório especial ao Parlamento e sugerir mudanças imediatas na legislação.

Já um porta-voz do primeiro-ministro David Cameron saiu em defesa das leis antiterror e disse que caberá à própria polícia examinar se houve abuso em sua aplicação.

"O governo toma todos os passos necessários para proteger a sociedade de indivíduos que possam representar ameaças à segurança nacional", afirmou o porta-voz ao jornal "The Guardian". "Cabe à polícia decidir quando a necessidade e a proporção do uso desses poderes."

Deputados da oposição trabalhista criticaram a detenção do brasileiro. Yvette Cooper, responsável por fiscalizar o Ministério do Interior, cobrou uma investigação urgente do caso.

No Brasil, o ministro Antônio Patriota (Relações Exteriores) disse que conversaria nesta segunda-feira com o chanceler britânico, William Hague, sobre a detenção.

Disse ainda que o Itamaraty convocou pela manhã o embaixador britânico para passar a posição do Brasil sobre o caso. "Esperamos que isso não volte a acontecer. Essa mensagem foi transmitida claramente."

DETENÇÃO

Recebido no aeroporto do Rio por Greenwald, Miranda disse que foi questionado "sobre a minha vida inteira, sobre tudo". "Seguraram o meu computador, videogame, celular, pen drives, máquina fotográfica", lamentou.

O brasileiro afirmou que não foi ofendido, mas ficou irritado pela forma que foi abordado. Com aspecto de cansaço e nervosismo, ele contou que teve seu passaporte confiscado.

"Não me deram o meu passaporte. Antes eu comecei a fazer um escândalo no lounge falando que eu queria o meu passaporte, que eu queria sair dali, saber aonde eu ia, o que eles iam fazer comigo. Só depois de oito horas consegui que o advogado chegasse lá", lembrou.

Enquanto aguardava o companheiro, o jornalista afirmou à Folha que em conversa por telefone com o advogado recebeu a informação de que o companheiro sofreu ameaça de ser preso caso não respondesse as perguntas. Ele classificou o episódio com o companheiro como uma "intimidação à imprensa" e disse que recebe, desde o início, apoio do Ministério das Relações Exteriores.

Estudante de Comunicação na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) do Rio, Miranda fazia apenas uma escala em Londres para retornar ao Rio. Ele havia encontrado uma jornalista --colaboradora do "Guardian"-- em Berlim (Alemanha). A repórter escreve um documentário sobre a série de investigações do governo americano.

Greenwald vem publicando no "The Guardian", desde 5 de junho, artigos revelando ações de espionagem digital da agência nacional de segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês) utilizando documentos vazados pelo ex-funcionário da CIA Edward Snowden.


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