Folha de S. Paulo


Folha acompanhou trajetória de Sérgio Vieira de Mello

Primeiro brasileiro a alcançar o alto escalão da ONU (Organizações das Nações Unidas), Sérgio Vieira de Mello chegou a ser cotado para suceder o então secretário-geral, Kofi Annan, mas há dez anos um trágico atentado terrorista em Bagdá (Iraque) interrompeu a trajetória de um dos maiores diplomatas da história.

Nascido no Rio em 15 de março de 1948, Vieira de Mello tinha doutorado em filosofia e em ciências sociais pela Universidade de Paris-1 (Sorbonne). Logo aos 21 anos, começou a trabalhar na agência da ONU para refugiados (Acnur).

O diplomata, que fez toda a sua carreira no exterior, tinha uma característica que o diferenciava dos outros colegas de profissão. Ele gostava de ir a campo, no meio da ação, e se envolvia de uma tal maneira que chegava a quebrar algumas regras, como quando contrabandeou pessoas no banco de trás do seu carro, na Guerra da Bósnia, segundo a historiadora irlandesa Samantha Power, autora da biografia "Chasing the Flame".

Isso fez com que Vieira de Mello estivesse presente em vários conflitos, como no Camboja, onde se tornou o primeiro dirigente da ONU a conversar pessoalmente com líderes da guerrilha socialista do Khmer Vermelho, que comandou o país de 1975 a 1979 e massacrou 1,7 milhão de pessoas.

Defensor do diálogo entre todas as partes envolvidas nos confrontos, Vieira de Mello era considerado por Annan o homem certo para resolver qualquer problema. Tinha o perfil de negociador duro, porém, conciliador, era um dos maiores especialistas das Nações Unidas na solução de conflitos e na reconstrução de áreas arruinadas por guerras civis.

Essas qualidades fizeram com que ele atuasse em Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique, Peru, Líbano e Bósnia, nos anos 70, 80 e 90

Em junho de 1999, o brasileiro foi nomeado representante especial interino da ONU para Kosovo, com a missão de estabelecer o "quartel-general" da organização na região. No mês seguinte foi substituído pelo então ministro da Saúde da França, Bernard Kouchner.

Em outubro do mesmo ano, o diplomata assumiu a chefia da administração das Nações Unidas para Timor Leste (Untaet), onde atuou até 2002, na reconstrução do país e em todo processo eleitoral para a formação de um novo governo.

Logo ao terminar o seu trabalho no Timor, Vieira de Mello assumiu o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, cargo no qual defendeu "mais diálogo" e "menos politização". Mas um dos maiores desafios, ou o maior dos seus 34 anos de carreira na ONU, ainda estava por vir...

Em entrevista à Folha, publicada no dia 14 de março de 2003, o diplomata criticou o argumento dos EUA para justificar uma guerra contra o Iraque. Pouco mais de dois meses após essa declaração, Annan escolheu o "cidadão do mundo" (com apoio silencioso de Washington) para ser o representante da entidade no território iraquiano. De acordo com resolução do Conselho de Segurança, Mello tinha a função de trabalhar de forma intensa com a população iraquiana e com as forças de ocupação (EUA e Reino Unido) para a formação de um governo independente.

A dificuldade da autoridade anglo-americana em cuidar da segurança atrapalhou o andamento do trabalho estipulado pelo brasileiro para a região. No balanço de seu primeiro mês no país, a ONU estava longe de alcançar suas metas.

A curta trajetória de Mello em território iraquiano acabou em 19 de agosto daquele ano, e de forma trágica. Uma betoneira com cerca de 230 quilos de explosivos foi detonada próxima a janela de seu escritório na sede da ONU, que ficava no segundo andar do prédio.

Após a explosão do caminhão-bomba, o brasileiro ainda foi visto com vida por seu assessor Ghassan Salamé. Seriamente ferido sob os escombros, sua morte foi confirmada horas depois. Outros 21 funcionários morreram e dezenas ficaram feridos.

Sérgio Vieira de Mello morreu aos 55 anos, deixando mulher e dois filhos. O seu velório aconteceu no Rio, mas ele foi enterrado no dia 29 , no Cemitério dos Reis, em Genebra, na Suíça.


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