Folha de S. Paulo


Análise: Ameaça da Al Qaeda expõe desafio do sucessor de Bin Laden

O mundo ouviu muito, nos últimos dias, sobre um severo médico egípcio que acredita-se esteja escondido em algum lugar do Paquistão.

Ayman al-Zawahri, 62, o médico tornado líder terrorista que assumiu o comando da Al Qaeda depois que Osama bin Laden foi morto em 2011, usou um discurso em vídeo postado em fóruns online de jihadistas em 30 de julho para protestar contra o tratamento dos Estados Unidos aos prisioneiros da baía de Guantánamo, Cuba, e para prometer que seu grupo não pouparia esforços para livrá-los do cativeiro.

Dias mais tarde, ele criticou a derrubada do presidente egípcio Mohammed Mursi como parte de um complô dos "cruzados" para dividir seu Egito natal, e ao mesmo tempo atacou a Irmandade Muçulmana, o partido de Mursi, por tentar governar o país democraticamente, em lugar de governar pela lei islâmica, a Shariah.

Mas foi outra comunicação da Zawahri --parte da correspondência secreta entre ele e o líder da afiliada da Al Qaeda no Iêmen-- que causou preocupação profunda ao governo dos Estados Unidos quanto a um possível complô terrorista do grupo.

Esses temores conduziram ao fechamento temporário de numerosos postos diplomáticos e levaram analistas, no governo e fora dele, a reavaliar a possibilidade de que Zawahri talvez tenha mais controle do que imaginavam sobre a organização que ajudou a fundar.

Representantes do governo dos Estados Unidos afirmaram que Zawahri instou o líder iemenita, Nasser al-Wuhayshi, a executar um grande ataque terrorista, e que além disso, em comunicação separada, o promoveu a um papel mais importante na Al Qaeda.

Alguns analistas caracterizaram essas ações como os últimos e desesperados atos de um líder que já não exerce a mesma influência do passado. Para outros, Zawahri está sabiamente fazendo planos para o futuro de um grupo que ele espera possa continuar prosperando muito depois de sua morte, quer esta aconteça por causas naturais, quer por outros motivos.

Uma visão é a de que Zawahri, homem que não conta nem com o carisma nem com a capacidade administrativa e a influência mundial de Bin Laden, agiu com inteligência ao ampliar a autoridade de Wuhayshi, líder da Al Qaeda na Península Arábica, a única porção da organização que demonstrou capacidade de ameaçar os interesses norte-americanos por meio de ataques em larga escala.

"O modelo antigo de governança corporativa já não estava funcionando", diz Daniel Benjamin, que foi diretor de operações de combate ao terrorismo no Departamento de Estado norte-americano durante o primeiro mandato do presidente Barack Obama.

"Não faz sentido ter toda a direção da Al Qaeda concentrada no Paquistão quando os únicos agentes que têm alguma chance de fazer algo notável estão em outros lugares".

Os serviços de inteligência dos Estados Unidos estão tentando decifrar o papel de Zawahri, e as autoridades britânicas e norte-americanas reforçaram suas precauções de segurança no Iêmen.

Washington instou todos os cidadãos norte-americanos a deixar o país, e ordenou que todo o pessoal do governo "sem funções de emergência" e parte do pessoal "com funções de emergência" fizesse o mesmo.

A Secretaria do Exterior britânica, de sua parte, anunciou a retirada equipe diplomática do país da capital iemenita, Sanaa, "devido às crescentes preocupações de segurança".

Os alertas britânico e norte-americano surgiram algumas horas depois que líderes das forças armadas iemenitas informaram que ao menos quatro homens suspeitos de fazerem parte da Al Qaeda foram mortos, em uma ação descrita como um ataque de drones (aeronaves de pilotagem remota) norte-americanos na região de Marib, leste do país, na manhã de terça-feira, o quarto ataque aéreo dos Estados Unidos nas duas últimas semanas, parte de uma campanha intensificada para atrapalhar os supostos complôs que resultaram no fechamento das embaixadas.

A Agência Central de Inteligência (CIA) também vem mantendo sua campanha de ataques por drones nas regiões tribais do Paquistão, onde as agências de espionagem norte-americanas supõem que Zawahri esteja escondido.

Mas parecem existir poucas informações sólidas sobre seu paradeiro efetivo, e as autoridades paquistanesas negam vigorosamente que ele esteja em qualquer parte do país.

A última ocasião em que a CIA imaginou estar perto de capturá-lo ou matá-lo foi no final de 2009, quando um médico jordaniano alegou ter infiltrado os mais altos escalões da Al Qaeda e disse que poderia informar os norte-americanos sobre o lugar exato do esconderijo de Zawahri.

Mas o médico, Humam Khalil Abu-Mulal al-Bulawi, era agente duplo e, em 30 de dezembro de 2009, explodiu a bomba que carregava ao ser conduzido a uma base da CIA em Khost, Afeganistão, em um ataque matou sete funcionários da agência de inteligência.

Desde que assumiu o comando da Al Qaeda, em 2011, Zawahri vem encontrando dificuldades para administrar os grupos dispares que formam a constelação de sua organização, segundo especialistas em terrorismo.

Seu mais recente fracasso, dizem alguns deles, foi não ter conseguido evitar o rompimento entre jihadistas sírios e camaradas de armas da divisão da Al Qaeda no Iraque, o que resultou em uma batalha interna entre os dois grupos que provavelmente representam os mais efetivos combatentes na guerra contra o regime do presidente sírio Bashar Assad.

Mas ainda que sua organização esteja rachando em forma de unidades regionais muitas quais difíceis de controlar, e que os eventos mundiais não estejam se desenrolando da maneira que ele preferiria, Zawahri ainda detém a autoridade sobre um movimento com o qual está envolvido há mais de três décadas.

"Ele não é um sujeito popular, e tem a personalidade de um pioneiro do leninismo - falando sem parar e se envolvendo em polêmicas", diz Benjamin. "Mas continua a ser o sucessor designado por Osama bin Laden, e isso significa alguma coisa", acrescenta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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