Folha de S. Paulo


Jovem negro morto por vigia inocentado podia ter sido eu, diz Obama

No mais extenso discurso sobre preconceito racial desde que chegou a Casa Branca, o presidente americano Barack Obama disse que "eu poderia ter sido Trayvon Martin há 35 anos".

Ele se referia ao adolescente de 17 anos morto na Flórida no ano passado por George Zimmerman, um vigilante voluntário de um condomínio. Zimmerman foi absolvido no sábado passado.

Quando o crime aconteceu, Obama já havia dito que Trayvon "poderia ser meu filho".

"Poucos afroamericanos neste país não tiveram a experiência de ser seguidos enquanto faziam compras em lojas de departamentos. Incluído eu", disse Obama ontem na Casa Branca.

"Ou ao andar pela rua, ouvir as portas dos carros sendo travadas imediatamente. Me acontecia pelo menos antes de virar senador. Ou de entrar em um elevador e uma mulher ficar apertando a bolsa contra o peito nervosamente", descreveu.

Larry Downing /Reuters
Obama, durante entrevista coletiva em que se comparou a Trayvon Martin
Obama, durante entrevista coletiva em que se comparou a Trayvon Martin

Zimmerman foi absolvido por júri popular por legítima defesa. Ele seguiu o adolescente, que usava moletom com capuz. Ao se alterarem em uma briga, Zimmerman tirou um revólver e matou o rapaz, que estava desarmado.

Obama afirmou que queria dar "contexto", como resposta às dezenas de protestos após o veredito, apesar de falar que o sistema judiciário "funciona dessa maneira, com defesa, acusação e juiz".

"A comunidade afroamericana tem conhecimento que há uma história de disparidades raciais na aplicação das leis criminais, da pena de morte ao combate às drogas", discursou.

"Isso não quer dizer que a comunidade afroamericana é ingênua sobre o fato de que jovens afroamericanos são desproporcionalmente envolvidos no sistema criminal, como vítimas e perpetradores de violência. Mas há um contexto histórico."

Para diversos analistas políticos americanos, Obama evita o tema racial por achar que o debate pode acabar se centrando nele próprio em vez da questão racial. Por ser uma figura polarizadora, ele fala pouco do assunto.

Diante do silêncio, algumas lideranças negras cobraram posição do presidente, apesar da limitação de seus poderes.

"Tradicionalmente, esses assuntos são de esfera local e estadual. Seria útil examinar algumas leis locais e estaduais", ele disse.

"A violência que acontece nos bairros pobres negros ao redor do país surgem de um passado violento do nosso país, e que a pobreza e a disfunção que vemos nessas comunidades podem ser traçadas a essa história difícil" afirmou.

E fez uma provocação: "Há um senso de que se um adolescente branco estivesse envolvido em um caso parecido, os resultados teriam sido diferentes de cima a baixo."

Ele terminou a fala, tentando propor mudanças mais culturais que legais. "Como aprendemos lições disto e mudamos a uma direção positiva? A longo prazo,
como estimulamos e apoiamos nossos jovens negros?

Podemos fazer mais pelo senso de que o país se preocupa com eles, os valoriza e quer investir neles?", perguntou-se.

E criticou os políticos. "Muita gente quer um debate nacional sobre raça. Só que não costuma ser produtivo quando é feito por políticos, termina politizado e entrincheirado em posições que tinham antes. Precisamos discutir nas famílias, nas igrejas e nos ambientes de trabalho", terminou.


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