Folha de S. Paulo


'Morreremos como mártires', diz islamita

Deitados em tapetes estendidos no vão de um prédio comercial tomado por militantes no Cairo, membros da Irmandade Muçulmana se preparavam, na tarde de ontem, para um dia de resistência.

Com a aproximação do ultimato dado pelo Exército ao presidente islamita, eles permaneciam aquartelados em diversas regiões da cidade, em especial em Nasr City.

Após o anúncio do golpe militar, havia relatos de que uma gravação de Mursi era reproduzida na região pedindo que integrantes da organização não aceitassem sua deposição.

Ele clamava, também, para que os seguidores não recorressem à violência.

"Precisamos ficar juntos", disse à Folha Ahmed Assem, integrante da Irmandade. "Não é seguro estar a sós."

Os islamitas improvisavam escudos com placas de metal e seguravam pedaços de pau. Alguns usavam capacetes de construção civil, outros vestiam equipamentos de boxe.

Havia, entre os membros da Irmandade, o receio de que o grupo voltasse a ser perseguido politicamente com a queda de Mursi --assim como ocorreu durante as quase três décadas de ditadura de Hosni Mubarak.

Integrantes da Irmandade, historicamente resiliente, afirmavam repetidamente à reportagem estar dispostos a se tornar mártires para defender o presidente democraticamente eleito.

"A situação, com Mursi, não mudou", afirmou Ashraf Numir, 53. "O Judiciário, o Exército e a polícia estiveram contra nós durante todo esse período."

Diante dos sinais de que "o Egito está indo de volta à era Mubarak", Numir disse que sua alma "está com o islã".

Em entrevista coletiva, Essam el-Erian, vice-presidente do braço político da organização, insistia antes do golpe em que "a vontade do povo foi expressa nas eleições".

"Legitimidade", aliás, é a palavra recorrente nas regiões islamitas do Cairo.

Diversos dos integrantes ouvidos pela reportagem na mesquita de Rabia al-Adawiya, centro da concentração de islamitas, afirmavam haver preconceito contra os setores religiosos da população.

"Não fizemos nada de errado", disse Hassan Mursi Ibrahim, 45, diante da Universidade do Cairo ""onde ao menos 23 pessoas foram mortas em embates com as forças de segurança, na madrugada de ontem.

"Somos atacados porque somos islâmicos. O país vai entrar em guerra civil. Nós não vamos ser silenciados", afirmou Ibrahim.

"O futuro do Egito será o caos e a sobrevivência do mais forte", diz Mahmud Abdel, no campus tomado por islamitas.

Só era possível entrar naquele local após revista e interrogatório conduzidos pelos militantes. "Vamos morrer como mártires", disse Abdel.


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