Folha de S. Paulo


Khamenei sai ileso no Irã, dizem analistas

O clérigo Hasan Rowhani disputou a campanha presidencial iraniana como azarão, mas acabou ganhando no primeiro turno, graças ao apoio da oposição reformista e à promessa de conduzir uma política de "moderação" dentro e fora do país.

Rowhani teve mais votos que a soma dos seus cinco rivais, todos conservadores alinhados à agenda do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, e amplamente tidos como favoritos.

Embora tenha indicado rejeição popular a posições linha-dura, a eleição acabou reforçando o poder de Khamenei e do Estado teocrático implementado com a revolução islâmica de 1979, segundo analistas e diplomatas consultados pela Folha.

O líder supremo alcançou os objetivos estratégicos fixados para o pleito, inclusive o de reconciliar milhões de iranianos com as urnas após o trauma de 2009, quando o regime esmagou protestos que denunciavam supostas fraudes na reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

"Estamos estupefatos com a astúcia de Khamenei", diz um diplomata ocidental. "Ele preparou uma eleição que alegrou os iranianos e fez surgir um presidente moderado, duas coisas que não esperávamos", admite.

Os rumos da eleição começaram a ser delineados em maio, quando o Conselho de Guardiães da Revolução, encarregado de filtrar candidaturas à Presidência, anunciou os nomes aprovados.

Próximo de Khamenei, o conselho deixou de fora dois candidatos vistos como potencialmente incômodos: um aliado de Ahmadinejad que promovia a cultura persa pré-islâmica em vez da identidade xiita oficial, e um ex-presidente centrista visto como poderoso demais.

Dos seis candidatos aprovados que foram até o final da campanha, nenhum representava ameaça às fundações do regime.

Durante a campanha, Khamenei manteve-se distante dos debates e disputas, apesar da percepção generalizada de que seu preferido era o ultraconservador negociador nuclear Said Jalili --o que o líder supremo negou.

Enquanto Rowhani eletrizava a campanha com comícios abarrotados e cheios de entusiasmo, os conservadores se digladiavam e se afastavam da promessa de unirem forças antes do voto.
Khamenei não interveio, no que foi visto como carta branca à continuação de uma feroz disputa festejada pela mídia estatal com prova do veia democrática do Irã.

Outra aposta do regime era atrair às urnas a maior quantidade possível de eleitores --o voto não é obrigatório-- para reforçar a legitimidade do Estado. Nos dias antes do voto, Khamenei disse que um alto comparecimento representaria um "tapa na cara" dos inimigos externos.

O líder supremo pediu o voto até de quem "é contra o sistema", numa rara admissão de que existem iranianos contrários à teocracia.

Khamenei afirmou ainda, aparentando prometer votação limpa, que cada opinião depositada nas urnas seria tratada como algo sagrado.

O pleito ocorreu sem sobressaltos e teve longas filas que levaram à extensão do horário de fechamento dos centros de votação.

Milhões de iranianos festejaram nas ruas do país a vitória de Rowhani sem ser perturbados.

"Apesar de provavelmente ter preferido um conservador, [Khamenei] conseguiu elevar sua posição ao ter ficado fora da disputa e assegurado uma eleição vista como limpa e transparente", diz a analista Farideh Farhi, da Universidade do Havaí (EUA).

LEALDADE AO REGIME

Rowhani, apesar do discurso liberal para padrões iranianos, está longe de contrariar o líder supremo. Clérigo xiita, é um homem com irretocáveis credenciais de lealdade à república islâmica.

Ele comandou por 16 anos o poderoso Conselho Nacional de Segurança, responsável pelas negociações nucleares. Rowhani entregou a chefia do conselho em 2005, mas permaneceu no órgão, na condição de representante pessoal de Khamenei.

"Rowhani assessora Khamenei há muito tempo. Embora tenham tido divergências, sempre conseguiram trabalhar juntos", diz Reza Marashi, diretor de pesquisa no Conselho Nacional de Iranianos Americanos.

Marashi afirma que o presidente, cuja posse ocorre em agosto, quer mudar políticas interna e externa, mas prevê que ele "irá devagar".

Rowhani prometeu mais transparência para o diálogo nuclear com o Ocidente, mas, seguindo a posição de Khamenei, descartou suspender o enriquecimento de urânio.
"Rowhani é o homem certo para conseguir um acordo nuclear, e aposto que este acordo será muito bom para o Irã", diz um diplomata não ocidental.

"Goste-se ou não de Khamenei, ele mostrou ser um líder de visão, que garantiu com esta eleição a sobrevivência do regime por mais um bom tempo", afirma.


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