Folha de S. Paulo


Senador boliviano asilado tem medo de ser enviado ao Peru

O senador de oposição boliviano Roger Pinto, que ontem completou um ano como asilado na embaixada do Brasil em La Paz, teme que o governo brasileiro caia na "chantagem" do presidente Evo Morales e concorde com seu envio a um terceiro país, como o Peru.

A possibilidade existe e foi colocada, como sugestão do governo boliviano, nas reuniões do grupo de trabalho criado para debater a situação do senador. Segundo a filha do político, Denise Pinto, seu pai foi informado por partes ligadas às negociações sobre a alternativa, revelada ontem pelo "Valor".

"Não tivemos nenhuma comunicação oficial, só extraoficialmente nos disseram que estava sendo discutido. Mas ninguém perguntou se ele queria isso", disse Denise, por telefone, à Folha.

A chancelaria da Bolívia e o Itamaraty se recusaram a comentar as negociações, mas não negaram que haja a possibilidade de enviar o senador ao Peru. Procurada, a chancelaria do Peru não se pronunciou sobre o tema.

Segundo Denise, a família teme que, sendo uma sugestão do governo boliviano --e sem saber qual seria o status que o político receberia no Peru--, ele fosse mais facilmente extraditado de volta para a Bolívia. No país, o senador opositor responde a mais de 20 processos --a maioria por desacato e difamação.

Em junho, o Brasil concedeu asilo político a Pinto, 53, que recorreu à embaixada alegando sofrer perseguição e ameaças de morte no país.

O governo Morales se nega, desde então, a conceder o salvo-conduto ao senador, que permitiria ao político sair da embaixada em segurança até embarcar para o Brasil.

A queda de braço entre os dois países teria se intensificado com a prisão de 12 torcedores brasileiros após a morte de um adolescente boliviano durante uma partida de futebol em 20 de fevereiro no país vizinho. Os dois governos negam que os casos sejam tratados de forma interligada.

Para Denise, a sugestão de Morales de enviar seu pai a um terceiro país seria uma "vingança" contra o governo brasileiro, que concedeu o asilo.

"A gente confia no Brasil, por isso meu pai pediu asilo ao país. Não acreditamos que o Brasil vá ceder a essa chantagem do governo boliviano", disse. "Além disso, meu pai continuaria longe de sua família." Sua mulher, uma filha e dois netos estão no Acre.

"Enviar o senador para um terceiro país representaria uma vitória de Pirro para o Itamaraty. Perderia a diplomacia brasileira e o próprio senador", disse seu advogado no Brasil, Fernando Tibúrcio.

BOLO

Para marcar um ano da espera do senador na embaixada brasileira, a filha do senador e políticos da oposição convocaram uma vigília em frente ao prédio, na noite de ontem, para pedir pela sua saída do país.

Segundo seus familiares, a data não é vista por Pinto, como "motivo para bolo". O político está abrigado numa sala de 20 m² da embaixada, equipada com uma cama, uma TV, uma escrivaninha e uma bicicleta ergométrica.

Como a representação brasileira fica num prédio sem pátio, o senador não pode tomar sol. Recentemente, suas visitas foram limitadas a apenas familiares e um advogado.

Colaborou FELIPE LUCHETE, de São Paulo


Endereço da página: